Nesta vida neurótica hodierna destruímos a
nossa identidade, deformámos a nossa personalidade. Andamos por aí, à deriva
pela vida, vagueando num limbo pejado de imitações dos arquétipos ditados pelo consumismo
vigente.
O homem de hoje já não sabe coexistir com a sua natural inquietude,
tampouco com a sua própria subjectividade. Tudo tem de obedecer a um desígnio
pragmático; os rituais do quotidiano foram substituídos por autênticos vícios
que causam dependência, a Internet, o hipermercado, a TV com a telenovela e o
futebol... tal como as férias alucinantes em que se tem, obrigatoriamente, de
sair de casa arrastando a família, ou sendo arrastado por ela, em que se tem de
ir àquela praia, àquela party; e se assim não acontecer, ficamos frustrados e
infelizes.
Já não sabemos conversar, conviver,
partilhar. E as viagens, esses périplos neuróticos para onde nos atiramos com
bagagens e paus de selfies para
registar tudo, tudo aquilo que não vivemos, com a chancela do nosso rosto
afirmando “eu estou aqui”.
É a neurose da sociedade global em ligação, em
produção de ruído - coisa diferente de comunicação.
Hoje não existe recato, não existe privacidade.
Frequentemente, gosto de me isolar, quer mentalmente
nos meus sonhos, leituras, imaginações e reflexões, quer fisicamente em algum
lugar pouco frequentado como um vale verdejante não muito distante, ou o sótão
da minha casa.
Para quê, então, esse imperativo de viajar, para
que tenho de ir conhecer mais lugares se nem consigo conhecer, como gostaria, o
pequeno mundo que me rodeia?
Porque devo ir em busca de outros e do que
porventura terão para me oferecer, se nem exploro convenientemente o que
acontece dentro de mim?
- Vamos acolá, vem.
- Não vou, fico!