2016/10/23

Reflexões de um aprendiz do Mundo

Reflexões de um aprendiz do Mundo

Definir o que é a Maçonaria não é fácil, para além daquelas definições que encontramos nos nossos catecismos e manuais. A razão para essa dificuldade reside no facto da Maçonaria não ser isto ou aquilo. A Maçonaria sente-se e vive-se, não se reduz a interpretações textuais (logo, sínteses superficiais que não revelam mais do que a forma sem tocar no conteúdo). Assim é a natureza da Maçonaria porque é sentida e vivida de forma diferente por cada Obr.˙. da Arte Real. Ora, descrever sentimentos e experiências pessoais é algo que depende do ponto de vista individual e da sensibilidade de cada um.

No entanto podemos dizer que a Maçonaria, para além daquelas concepções que já temos como adquiridas, é o caminho do equilíbrio entre a ciência e a espiritualidade, é um método de compreender a harmonia de todas as coisas na busca pela Verdade,  e é também a práctica do Amor Universal. É, pois, muito mais do que a evocação exaustiva do Lema (Justiça,  Verdade,  Honra, Progresso) e da Divisa da Ord:. (Liberdade, Igualdade, Fraternidade) que integra profusamente a práctica ritual - porventura numa evocação bastamente mecanizada e de sentido embotado pela repetição mas que em outros momentos devem ser interiorizados como valores, regras de capital importância para a vivência do quotidiano.

Que a mesma palavra pode ter valores e poderes diferentes consoante o momento e o contexto em que as aplicamos, isso já aprendemos; afinal de contas elas também transportam e potenciam energias fundamentais, assim como o silêncio e a meditação. Descobri que, quando realizamos a Cadeia de União, ao fechar os olhos me é mais fácil canalizar o meu pensamento e, espero, a inestimável energia espiritual, em benefício das pessoas que conheço - que vou fazendo desfilar na minha mente como se fosse uma fita de cinema. Talvez sem tanto sucesso, mas também vou tentando sentir a energia dos demais IIr:. em cadeia, canalizando-a para a mesma finalidade.

Eis o terreno virgem a explorar, a caminhada a percorrer por cada um de nós nesta fraternidade que dá pelo nome de Maçonaria, onde não existem gurus nem líderes infalíveis, pois não defendemos nenhum dogma religioso, nenhuma apostilha indefectível, nenhum modelo de realidade singular. Para o Maç.˙. o Mestre está dentro de si mesmo, e é seu dever procurar encontrá-lo.

Não buscamos o reconhecimento e a fama entre os seres nossos iguais. Após décadas de estudo, práticas, erros e acertos aprendemos e aceitamos ser indivíduos anónimos, sendo cada um de nós apenas mais um na multidão, sem reconhecimento ou distinção especial e sem nenhum engrandecimento social resultante dessa condição de ser Maç.˙..

A educação e instrução tradicionais não nos preparam para aceitar o facto de que quando um indivíduo se eleva, a sociedade humana, como um todo, também se eleva concomitantemente. Então, todo esse trabalho individual representa na verdade uma caminhada colectiva. A cada ser humano que tivermos o privilégio de tirar das trevas da ignorância, mais Luz é derramada sobre toda a realidade mundana.

Para muitos a Luz e o conhecimento significam independência, e esta independência é intolerável para os que acreditam ser superiores aos outros. Por esse motivo a Maçonaria continua a ser olhada com desconfiança e a ser desconsiderada, até atacada. Cada passo que damos na direcção da Verdade e do conhecimento, congrega mais inimigos contra nós. É, pois, uma caminhada de coragem e determinação.

Cada um de nós tem o poder de transformar a sua própria vida e a vida dos que nos estão próximos, com os nossos actos e exemplos. Afinal de contas de nada adiantaria que uma fraternidade orientada por tão altas aspirações nos oferecesse tais conhecimentos e práticas visando o equilíbrio espiritual, se não colocássemos tudo isso em prática. Portanto, a Maçonaria exige de cada um dos seus OObr .˙. mais do que estudo e dedicação, exige que pratiquemos aquilo que aprendemos.

Se um pedinte nos pede dinheiro, como MMaç.˙., temos a obrigação moral e espiritual de atender a esse pedido de esmola. Não sabemos se aquela moeda irá contribuir para aliviar um estômago vazio ou evitar que uma criança caia na perversidade por falta de escolha. A beneficência é uma obrigação irredutível do Maç.˙. 

Também os instrutores ou guias devem ter humildade e equilíbrio, caso contrário estão a ser desleais consigo e com os princípios que defendem. “Pobre daquele que se julga mestre e pensa ter sobre si a responsabilidade espiritual dos actos de todos aqueles que considera discípulos” O verdadeiro Mestre, está dentro de cada um de nós.

O juiz mais rigoroso e mais exigente deve ser a nossa própria consciência. Se não somos capazes de cumprir um juramento feito a nós próprios, como podemos esperar cumprir os juramentos feitos nas cerimónias solenes e perante os nossos IIr.˙.? 

Reflexões de um aprendiz do Mundo

Reflexões de um aprendiz do Mundo

Definir o que é a Maçonaria não é fácil, para além daquelas definições que encontramos nos nossos catecismos e manuais. A razão para essa dificuldade reside no facto da Maçonaria não ser isto ou aquilo. A Maçonaria sente-se e vive-se, não se reduz a interpretações textuais (logo, sínteses superficiais que não revelam mais do que a forma sem tocar no conteúdo). Assim é a natureza da Maçonaria porque é sentida e vivida de forma diferente por cada Obr.˙. da Arte Real. Ora, descrever sentimentos e experiências pessoais é algo que depende do ponto de vista individual e da sensibilidade de cada um.

No entanto podemos dizer que a Maçonaria, para além daquelas concepções que já temos como adquiridas, é o caminho do equilíbrio entre a ciência e a espiritualidade, é um método de compreender a harmonia de todas as coisas na busca pela Verdade,  e é também a práctica do Amor Universal. É, pois, muito mais do que a evocação exaustiva do Lema (Justiça,  Verdade,  Honra, Progresso) e da Divisa da Ord:. (Liberdade, Igualdade, Fraternidade) que integra profusamente a práctica ritual - porventura numa evocação bastamente mecanizada e de sentido embotado pela repetição mas que em outros momentos devem ser interiorizados como valores, regras de capital importância para a vivência do quotidiano.

Que a mesma palavra pode ter valores e poderes diferentes consoante o momento e o contexto em que as aplicamos, isso já aprendemos; afinal de contas elas também transportam e potenciam energias fundamentais, assim como o silêncio e a meditação. Descobri que, quando realizamos a Cadeia de União, ao fechar os olhos me é mais fácil canalizar o meu pensamento e, espero, a inestimável energia espiritual, em benefício das pessoas que conheço - que vou fazendo desfilar na minha mente como se fosse uma fita de cinema. Talvez sem tanto sucesso, mas também vou tentando sentir a energia dos demais IIr:. em cadeia, canalizando-a para a mesma finalidade.

Eis o terreno virgem a explorar, a caminhada a percorrer por cada um de nós nesta fraternidade que dá pelo nome de Maçonaria, onde não existem gurus nem líderes infalíveis, pois não defendemos nenhum dogma religioso, nenhuma apostilha indefectível, nenhum modelo de realidade singular. Para o Maç.˙. o Mestre está dentro de si mesmo, e é seu dever procurar encontrá-lo.

Não buscamos o reconhecimento e a fama entre os seres nossos iguais. Após décadas de estudo, práticas, erros e acertos aprendemos e aceitamos ser indivíduos anónimos, sendo cada um de nós apenas mais um na multidão, sem reconhecimento ou distinção especial e sem nenhum engrandecimento social resultante dessa condição de ser Maç.˙..

A educação e instrução tradicionais não nos preparam para aceitar o facto de que quando um indivíduo se eleva, a sociedade humana, como um todo, também se eleva concomitantemente. Então, todo esse trabalho individual representa na verdade uma caminhada colectiva. A cada ser humano que tivermos o privilégio de tirar das trevas da ignorância, mais Luz é derramada sobre toda a realidade mundana.

Para muitos a Luz e o conhecimento significam independência, e esta independência é intolerável para os que acreditam ser superiores aos outros. Por esse motivo a Maçonaria continua a ser olhada com desconfiança e a ser desconsiderada, até atacada. Cada passo que damos na direcção da Verdade e do conhecimento, congrega mais inimigos contra nós. É, pois, uma caminhada de coragem e determinação.

Cada um de nós tem o poder de transformar a sua própria vida e a vida dos que nos estão próximos, com os nossos actos e exemplos. Afinal de contas de nada adiantaria que uma fraternidade orientada por tão altas aspirações nos oferecesse tais conhecimentos e práticas visando o equilíbrio espiritual, se não colocássemos tudo isso em prática. Portanto, a Maçonaria exige de cada um dos seus OObr .˙. mais do que estudo e dedicação, exige que pratiquemos aquilo que aprendemos.

Se um pedinte nos pede dinheiro, como MMaç.˙., temos a obrigação moral e espiritual de atender a esse pedido de esmola. Não sabemos se aquela moeda irá contribuir para aliviar um estômago vazio ou evitar que uma criança caia na perversidade por falta de escolha. A beneficência é uma obrigação irredutível do Maç.˙. 

Também os instrutores ou guias devem ter humildade e equilíbrio, caso contrário estão a ser desleais consigo e com os princípios que defendem. “Pobre daquele que se julga mestre e pensa ter sobre si a responsabilidade espiritual dos actos de todos aqueles que considera discípulos” O verdadeiro Mestre, está dentro de cada um de nós.

O juiz mais rigoroso e mais exigente deve ser a nossa própria consciência. Se não somos capazes de cumprir um juramento feito a nós próprios, como podemos esperar cumprir os juramentos feitos nas cerimónias solenes e perante os nossos IIr.˙.? 

Liberdade

O meu conceito de Liberdade

Entendo que a Liberdade é o desejo inato do ser humano em se tornar integralmente livre. Por isso a verdadeira Liberdade não é apenas a liberdade física e política, mas também a liberdade de pensamento. Só nesse estado o homem pode dar asas a todas as suas potencialidades.

Porém, sendo algo tão grandioso e completo, a Liberdade também assume significado diferente perante situações e culturas diferentes.

Sob o jugo de uma ditadura o conceito de liberdade poderá ser diferente dependendo de quem a avalia ou deseja: um oprimido que nunca a experimentou ou um oprimido que a perdeu terão dela a mesma perspectiva? Por outro lado, será livre aquele que não sofre expressa coacção física, política ou mental mas que vive na insegurança de uma situação de desemprego permanente?

Sei que para muitos a Liberdade não pode ser uma figura de retórica mas um estado no qual o Homem, mesmo amordaçado, permanece fiel áquilo em que acredita de forma integral, física, moral, cultural e espiritual. Mas também sei que existem outros que consideram viver em liberdade mesmo dando a terceiros o poder de decidir tudo em seu lugar, aceitando, até, viver sob o jugo de pesadas regras e restrições, preferindo viver nessa “segurança protectora” de um encarceramento relativo. Daqui decorre a noção de que a liberdade não é mensurável pela austeridade ou permissividade das regras, mas sim em função dos seus objectivos e da forma como é sentida pelo indivíduo.

Uma coisa parece certa: para se ser efectivamente livre é preciso que o Homem queira ser livre e que só em função desse querer se liberte efectivamente das amarras da servidão, seja física, política, religiosa, cultural, ou da sua própria consciência.

E chegamos a uma ideia de Liberdade que trás implicada a ideia de Razão, esse juiz supremo dos nossos actos e ideias. A ideia de julgar implica, inevitavelmente, a existência de regras e de limites. E tal asserção conduz-nos agora à perspectiva maçónica: Para nós, maçons, o conceito de Liberdade envolve a ideia de uma liberdade interior apenas limitada pelo próprio indivíduo, e em que a limitação não depende de quaisquer circunstâncias mas somente das qualidades éticas e morais do indivíduo.

A Liberdade maçônica – que não deveria ser diferente da Liberdade em sentido genérico -, reside portanto no pensamento pois é através do processo cognitivo que qualquer indivíduo se torna absolutamente livre.

É pelo pensamento que a Maçonaria liberta o homem para sua função de edificador da sociedade. Nenhum tirano consegue censurar o que se passa na mente do indivíduo. Apenas o próprio pode aprisionar-se ou libertar-se no íntimo dos seus processos mentais; libertar-se implica trabalhar a pedra bruta; i. e. procurar e alcançar o autoconhecimento.

É esse esforço individual que conduz à liberdade efectiva do indivíduo. Eis a mecânica libertadora que a Maçonaria realiza, contribuindo com a metodologia, o local e as ferramentas; e o obreiro com a sua alma, o coração, a mente, e o seu querer.

E, finalmente, para além de tudo o que já falei atrás, qual é então o meu conceito de Liberdade?

Sou livre? Sinto-me livre? Sim e não!

Sim, no que concerne à consciência que tenho acerca do exercício do meu livre arbítrio; não, pois entendo que a Liberdade também implica Independência e esta não a consigo alcançar nesta sociedade em que tudo tem um elevado valor monetário e em que eu estou limitado no que toca a esse, erradamente híper exaltado, recurso financeiro.

Livre, mas não convencido, disse!

H.

O Marquês e os Jesuítas

O Marquês e os Jesuítas


Passou há pouco tempo na RTP Memória a série “O Processo dos Távoras”, em que o ministro de D. José, Sebastião de Carvalho e Melo (Conde de Oeiras e futuro Marquês de Pombal), é apresentado como um político injusto, um funcionário prepotente animado de sanha persecutória contra nobres e religiosos. E a série retrata a sua actuação contra os opositores, nomeadamente contra aqueles que são apresentados como os seus maiores adversários: A ordem jesuíta.

Ora, para além da nobreza caduca, refém do seu atavismo secular e da estagnação que representa, os jesuítas constituem o outro pólo desse imobilismo que resiste às reformas encetadas por Pombal na implementação de um singular modelo político de Despotismo Esclarecido que constituiu o seu consulado.

Sobre os jesuítas convém relembrar que embora esses homens cultos tenham desempenhado um papel importante na difusão da cultura e da ciência (no início do século XVII acompanharam alguns dos progressos astronómicos de Galileu e chegaram a apoiar e complementar as suas descobertas), em meados do século XVIII recuaram a uma cultura do passado distante, opondo-se às extraordinárias descobertas da última centúria. Tanto assim foi que, em 1746, o padre jesuíta José Veloso, reitor em Coimbra, proibiu o estudo de Descartes, Gassendi e Newton, entre outros, assim como «quaisquer conclusõis oppostas ao sistema de Aristoteles».

A Companhia de Jesus tinha passado à posição de obstrução do progresso científico mas a sociedade tinha-se transformado radicalmente, e o conflito explodiu em 1759, com a expulsão dos jesuítas de todo o território português.

Independentemente de outras razões, mais triviais, moverem o 1º Ministro de D. José – interesses comerciais familiares no Brasil, eventualmente causticados pelos jesuítas-, o facto é que Sebastião de Carvalho e Melo, talvez doutrinado na dinâmica e na política inglesa, que admirava,  protagonizou o corte com a inércia da fidalguia que não preconizava nem deixava florescer progressos idênticos ao que outras nações registavam.

Os jesuítas nunca foram esses destacados portadores dos ideais humanistas, que alguns lhes atribuem. Uma abordagem antropológica à missionação jesuíta no Brasil também é, disso, estudo bem revelador.


Com todos os erros que terá cometido no desempenho das suas funções, acrescentados pelas suas fraquezas e defeitos como pessoa, ainda assim Pombal reunirá um crédito de protagonismo benéfico para o Portugal dessa época, que os feitos da Companhia de Jesus e da nobreza coeva não terão logrado, sequer, imitar.

H.

Da Beleza

DA BELEZA

A Beleza nunca foi algo de absoluto e imutável, pelo contrário assumiu formas diferentes segundo a cultura de cada período histórico e de cada região, quer na apreciação do homem ou da mulher quer na dos objectos, dos animais e das paisagens, ou mesmo a beleza das ideias e, até, da divindade.

Por vezes, num mesmo tempo histórico a beleza é abordada de forma muito diferente consoante é retratada pelos pintores e escultores ou pelos escritores. Basta pensar como um ser alienígena interpretaria a noção de beleza feminina se deparasse simultaneamente com uma pintura de Almada Negreiros e uma descrição literária de Camilo Castelo Branco, ainda que estes autores não tenham coexistido no tempo (Camilo morreu em 1890, Negreiros nasceu 3 anos depois).

Do Almada refiro-me a uma daquelas mulheres matronas, cubistas e debruçadas sobre si, contendo o mundo em si. Do Camilo, a pormenorizada descrição de uma Isaura que, cito: «… não é alta. Pertence àquela estatura que chamam mediana, a mais regular, a menos defeituosa, (…) [os cabelos] Negros e luzentes, levemente ondeados, nus de enfeites e ataviados com comodidade, e gentileza. Duas grandes tranças lhos dividiam, para se entrançarem de novo, presas em duas grossas roscas por travessas. Quando as soltava, as duas serpentes ondeavam-lhe por sobre as espáduas até à cinta. (…) [as sobrancelhas] irrepreensivelmente curvas, dividem-se por uma incisão quase imperceptível: longas, negras, e bastas. As pestanas, se ela descai as pálpebras naquele pendor da meiguice natural, quase lhe quebram a luz dos olhos, alindando-os, se é possível, ainda mais. (…) [os olhos] Meigos e vertiginosos. Reflectem a luz frouxa das paixões suaves, e as labaredas cintilantes das paixões escandecidas.».

Ora, na sociedade ocidental é o ideal masculino que pontifica, um ideal preso ao instinto sexual que explica e justifica o apreço pelos traseiros femininos proeminentes, com reservas de gordura para a gestação, os quadris largos que facilitam o parto, e os seios fartos para amamentar. E contra isto pouco pode a moda, contra essa memória táctil dos homens que por muito que apreciem uma mulher linda e magra jamais esquecerão a diferença entre estreitar nos seus braços uma cintura feminina que deixa revelar os ossos ou uma cintura substancial, bem mais voluptuosa.

As sociedades modernas ocidentais estabelecem ainda uma relação entre beleza física, inteligência e poder económico, ou seja, cultiva-se a crença de que uma pessoa bonita tem mais capacidades e mais sucesso. Dos feios considera-se sempre que são pobres, rudes, e falhos de êxito. Tal preconceito ainda amplia mais as dificuldades de ascensão social dessas pessoas; o poeta Vinicius de Morais já tinha escrito a respeito das mulheres: «as muito feias que me perdoem, mas beleza é fundamental.».

As preocupações com o Belo já vêm de longe. Platão terá sido um dos primeiros pensadores a formular a pergunta “O que é o Belo?”, empreendendo uma resposta ampla e cabal em que o Belo é identificado com o Bem, a Verdade e a Perfeição.

Assim, ao conceito de beleza atribuiu uma natureza autónoma, separada do mundo sensível, justificando que uma coisa é mais ou menos bela dependendo da sua inscrição/participação na ideia suprema de beleza; e criticou a arte que se limitava a copiar a natureza ignorando a beleza que o mundo das ideias contém. Mas se Platão ligou a arte à beleza, Aristóteles separou-a, anunciando que a arte é uma criação especificamente humana, e que o Belo não pode ser desligado do homem pois existe neste intrinsecamente.

Na Idade Média o cristianismo fundou um conceito de Beleza identificando-a com Deus, o Bem e a Verdade. E por aqui se seguirá durante séculos, numa colagem excessiva da ética à estética. Santo Agostinho acorrentou a beleza à harmonia, evocando o concurso da unidade, do número, da igualdade, da proporção e da ordem; reiterando que a beleza do mundo não é mais do que o reflexo da suprema beleza de Deus. Por sua vez, São Tomás de Aquino ligou-a ao Bem e à observância de determinadas condições fundamentais: Integridade ou Perfeição; Proporção ou Harmonia; Claridade ou Luminosidade; uma vez mais identificando a beleza com Deus.

Entre os séculos XVI e XVIII as academias impõem as estéticas aristotélicas e as suas regras visando alcançar a perfeição na arte, ainda que na segunda metade do séc. XVIII comecem a emergir ideias que proclamam a subjectividade do Belo. É o tempo em que as sociedades europeias atravessam grandes convulsões, com o início da revolução industrial e as importantes alterações políticas verificadas na América e na França. Nesta conjuntura de efervescências novas ideias despontam e a questão do Belo é equacionada como um problema de gosto.

E neste contexto surge Immanuel Kant, o criador do pensamento que embasa a estética contemporânea. Para este filósofo do séc. XVIII os nossos entendimentos estéticos têm fundamentos subjectivos dado que não se podem apoiar em conceitos pré-determinados. E assim, o critério de beleza que neles se exprime é o do simples prazer que nos acomete. A universalidade do Belo passa a ser subjectiva, como subjectivo é o juízo do gosto.

«Continua a ser verdade que, ao julgar belo um objecto, consideramos que o nosso juízo deve ter um valor universal e que todos devem (ou deveriam) partilhar o nosso julgamento. Mas como a universalidade do juízo do gosto não requer a existência de um conceito a que e deva adequar, a universalidade do belo é subjectiva: é uma pretensão legítima da parte de quem exprime o julgamento, mas não pode assumir de maneira nenhuma o valor de universalidade cognoscitiva. “Sentir” com o intelecto que a forma de um quadro de Watteau que representa uma cena galante é rectangular ou “sentir” com a razão que cada gentil-homem tem o dever de oferecer ajuda a uma mulher em dificuldade não é o mesmo que “sentir” que seja belo o quadro que está a ser examinado: de facto, neste caso, tanto o intelecto como a razão renunciam à supremacia que respectivamente exercem no campo cognoscitivo e no moral, e metem-se em jogo livre com a faculdade imaginativa, segundo as regras ditadas por esta última.» ECO, Umberto – História da Beleza (p. 264)

Embora se reconheça, então, a incapacidade da Razão em impor os seus valores sobre esta matéria tão subjectiva que é a definição do Belo, ela (a Razão) não está afastada da discussão; mormente pela mão daquele eminente filósofo que consegue inscrever parcialmente essa natureza vaga nas regras da Razão.

Ainda no século XVIII ganham força as noções de génio, gosto, imaginação e sentimento e assiste-se à construção do conceito Sublime. Uma vez que o Belo é uma expressão da liberdade, sentimo-nos livres na beleza porque os instintos sensíveis estão em harmonia com a lei da razão; já o sentimento de liberdade no sublime deriva do facto dos instintos sensíveis não terem influência sobre as leis da razão, porque aqui é o espírito que age autonomamente. Esta aparente contradição mais não espelha do que o dualismo da natureza humana.

Em seguida, os românticos exploram as dualidades, nomeadamente a anterior entre Belo e Sublime, e levam mais longe essa constatação da natureza dual, da ocorrência dos géneros, na nossa qualificação estética do mundo: beleza e melancolia; coração e razão; reflexão e impulso coexistem, sendo essa coexistência encarada como natural.

O Séc. XIX trará consigo uma autêntica religião da beleza, emoldurada pela efémera época de ouro do Ocidente: o período vitoriano em Inglaterra, o Segundo Império em França, o pontificado das virtudes burguesas e o despontar do capitalismo. Neste ambiente os artistas arriscam e avançam quebrando todas as normas, procurando o inusitado, o excêntrico, o inalcançável, ofendidos e talvez assustados pelas máquinas que oferecem a pura funcionalidade de novos materiais. Em parte, como reacção a essa uniformização e democratização galopantes, artistas como Courbet, Monet, Manet, Cézanne e outros rompem com os cânones e as convenções do academismo, anunciando a eclosão da arte moderna.

E no século XX sucedem-se as rupturas e explode uma multiplicidade de novas manifestações criativas. Surgem as artes decorativas, a art naif, a arte dos povos primitivos coevos, o artesanato rural; a Fotografia, o Cinema, o Design, a Rádio, etc.

Por outro lado, assiste-se a uma permanente insistência desconstrutivista em relação a todas as categorias estéticas: os conceitos e as fronteiras entre as artes são contestados; a arte é dessacralizada e perde a sua carga mítica e iniciática, tornando-se frequentemente um simples produto de consumo.

Neste ambiente, as estéticas normativas concebem uma beleza fundamentada em princípios inalteráveis, como a estética fenomenológica de Husserl; as estéticas marxistas e neomarxistas que vincam marcadamente a sua orientação sociológica; ou a estética informativa que procura sistematizar a avaliação da componente inovadora presente em cada obra de arte; mas é na estética das ciências que os ideais de beleza alcançam um discurso tanto mais revelador quanto inesperado. Raul Penaguião, um jovem matemático português, de 18 anos, dizia em 2012: «…a Matemática aplicada não me entusiasma muito, entusiasma-me a beleza das ideias matemáticas, pelo que quero seguir Matemática pura e investigação, e não tanto o quanto se relaciona com a realidade, pois nesse relacionamento perde-se muito: já dizia Albert Einstein, “Se as leis da Matemática se referem à realidade, elas não estão correctas; e, se estiverem correctas, não se referem à realidade”.»

Eis como ideia do Belo se impõe de uma forma tão óbvia aos valores concretos da realidade, reafirmando que a vida também encontra sentido numa componente subjectiva que existe para além do universo material.

Nós, seres humanos, temos necessidade de procurar ou criar a beleza, não só para recreação intelectual mas sobretudo porque ela é um guia para a vida, mesmo que o seu conceito dependa apenas de uma noção pessoal de harmonia.

H.

Fontes consultadas:
- BOHM, Camila Camacho - UM PESO, UMA MEDIDA - O padrão da beleza feminina apresentado por três revistas brasileiras, Universidade Bandeirante de São Paulo
São Paulo, 2004
- ECO, Umberto – História da Beleza, Ed. Difel, Lisboa 2005
- GUATIMOSIM, Bárbara Maria Brandão - O BELO E O SUBLIME, Psicanálise & Barroco em Revista v.6, n.3: 48-59, jul.2008
- LINO, Alice de Carvalho - Considerações kantianas sobre os Gêneros -
PADÊ:estudos em filosofia, raça, gênero e direitos humanos, UniCEUB, FACJS Vol.2,N.1/07. ISSN 1980-8887
- LINO, Alice de Carvalho – Belo e Sublime: A Mulher e o Homem na Filosofia de Immanuel Kant – Universidade Federal de Ouro Preto, 2008
- SATIE, Luis - Estética e ética em Kant - Escola Superior de Administração Fazendária,
Filosofia Unisinos, 2009

- VALENTE, Mariana – A Beleza das Ideias na Educação Científica – Centro de Estudos de História e Filosofia da Ciência, Departamento de Física, Universidade de Évora. Comunicação ao Seminário transdisciplinar “Currículo, Didáctica e Formação de Professores”- Évora, Maio, 2014

Igualdade e Justiça Social

Igualdade e justiça social

Quando, num sistema de Economia de Mercado, ouvimos falar em Igualdade imediatamente depreendemos que se trata da tão famosa igualdade de oportunidades para empreender e ter êxito. Mas bem sabemos que em nenhuma sociedade existe essa igualdade real de oportunidades, porque o sistema a não promove minimamente ou porque, promovendo-a, compromete-a pela acção corrupta de muitos dos agentes do Estado – p. ex. os políticos.

John Rawls (1921-2002)  propôs um método para construção de uma sociedade efectivamente justa. Vou explicar-vos como funciona a coisa. Porém, atentemos previamente a estes casos díspares que ocorrem frequentemente na sociedade tal como está estruturada. O futebolista Cristiano Ronaldo factura cerca de 33 milhões de euros por ano, entre salário e ganhos com publicidade - mais de 90 mil euros por dia, quase 4 mil euros por hora.

Quando, em 2012, se soube que o ex-ministro Eduardo Catroga poderia vir a receber 600 mil euros por ano pelas suas funções de presidente do Conselho Geral da EDP, houve indignação; até porque o ex-ministro tinha participado nas negociações com a troika – e portanto teve responsabilidades nos cortes salariais de pessoas que recebem uma ínfima parte daqueles valores. Aos críticos Catroga explicou que, tal como acontece no futebol, o seu salário era ditado pelo valor de mercado.

Uma notícia proveniente do distante Camboja faz-nos saber que uma mulher de 48 anos, pressionada pela fome, vendeu o seu cabelo por cerca de 6 euros, explicando ao jornalista que embora todas as mulheres gostem de estar lindas, entre a beleza e a fome, não tinha dúvidas sobre o que escolher. Em conclusão ficamos a saber que o valor de mercado do cabelo de uma cambojana de 48 anos é de 6 euros.

Perante estes exemplos facilmente concluímos que a fonte de muitos problemas que actualmente ferem a humanidade reside neste sistema baseado no mercado.

A solução de John Rawls passa por reiniciar o sistema social imaginando que não sabemos a posição que ocuparemos nela – se seremos ricos ou pobres, bonitos ou feios, homens ou mulheres, jogadores de futebol, ministros ou serventes de limpeza porque, se à partida, eu não souber que posição ocuparei na sociedade, tentarei garantir que a repartição dos bens e das riquezas seja equitativa, e essa será a única forma de garantir a minha satisfação, seja qual for a posição, a ocupação ou a posse material que me caiba.


Interessante, não acham?

H.

Da Moral Maçónica


Diz-se moral aquilo que está em conformidade com a honestidade e a justiça, que tem bons costumes; diz-se de tudo o que é decente, educativo e instrutivo. Moral é também a disciplina da Filosofia que trata dos actos humanos assentes nos bons costumes, e nos deveres do homem em sociedade e perante os seus iguais. Moral é, ainda, o conjunto de normas ou preceitos adoptados para dirigir os actos humanos de acordo com a justiça e a equidade natural.

A moral surge nos alvores da civilização humana. E é importante esta percepção de que a moral depende da civilização, ou é por ela reformulada nos moldes em que a conhecemos, já que a sociedade primitiva não censurava o canibalismo, o incesto, a pedofilia, os homicídios dos idosos e inválidos, e toda uma panóplia de atrocidades que o progresso intelectual e a construção cultural vieram instituir e regular.

Até ao final do regime feudal, em que vigorou o sistema esclavagista, os estratos sociais inferiores não passavam de objectos e como tal tratados no âmbito da transação de propriedade. Chegado à Idade Contemporânea, balizada pela revolução Francesa, o Homem liberta-se da opressão do feudalismo, cria a liberdade de ação e de pensamento e surgem os ideais humanistas e uma nova moral, várias morais até, e algumas delas individualistas pois é verdade que não existe uma moral eterna e imutável; a moral é histórica, conjuntural e sempre determinada pela classe dominante.

A Maçonaria exige aos seus membros uma boa reputação moral, o exercício da tolerância para com as diferentes manifestações de opinião, religião, política, ou filosofia, desde que os seus objetivos prossigam a conquista da verdade e a defesa dos valores morais, e propugnem pela paz e o bem-estar social. A moral maçónica constitui o objeto principal da sua filosofia racionalista. Esta moral está vertida nos símbolos e rituais que se têm mantido imutáveis ao longo da existência da Maçonaria.

Sendo a Maçonaria uma instituição comprometida com o Mundo - embora de cariz ético, filosófico e iniciático -, instrui os seus membros para serem homens de bem, com sólidos princípios morais e para trabalharem para o seu aperfeiçoamento em benefício individual e colectivo. Os ensinamentos maçónicos direccionam os maçons para a dedicação à felicidade dos seus semelhantes, não somente porque tal obrigação é imposta pela razão e pela moral mas principalmente porque esse sentimento de solidariedade os transforma em irmãos. Desta forma o maçom é útil ao progresso moral da humanidade.


Por tudo isto é importante desenvolver uma moral maçónica que controle as paixões, ajude a reconhecer e corrigir os nossos defeitos e cultue a inteligência. Esse é o nosso caminho moral.

H.