2016/02/02

Mono arquias

Em resposta a este artigo 

«A maçonaria - os pedreiros livres - nascem como um dos primeiros lobbies corporativos registados na Europa. A esquerda gosta de os apresentar associando-os a uma condição humilde (pedreiros!) omitindo que eram a elite cultural do seu tempo e que como artífices altamente qualificados que eram, auferiam os rendimentos mais elevados da época.»
Se isso é o que diz a esquerda, o que diz a direita maçónica? Bem se vê que o autor não leu nenhum livro de História da Maçonaria, se o tivesse feito saberia que em todos eles se distingue Maçonaria Operativa de Maçonaria Especulativa e se reconhece que efectivamente esta última era constituída pela elite cultural do seu tempo, e maioritariamente monárquica. A composição da maçonaria francesa nas vésperas da Revolução serve de exemplo: alta burguesia, clero e alguma nobreza, sans culottes e revolucionários é que certamente não havia. São os mitos sobre a Revolução Francesa, mormente sobre a participação da Maçonaria. Mesmo a respeito de republicanos, deviam contar-se pelos dedos de uma mão os que assim se consideravam e que participaram na revolução de 1789. Há uma incapacidade “digestiva” que afecta os monárquicos contemporâneos em reconhecer que a revolução francesa foi iniciada por monárquicos e não por republicanos – e certamente contava com alguns maçons entre eles.
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«Como elite cultural, e sentindo a necessidade de discrição inerente a todos os grupos corporativos, associado às crenças próprias da época do seu surgimento - final da idade média / início da idade moderna - a maçonaria encasulou-se em práticas próprias, cheias de rictos místicos e símbolos cujo significado procuram proteger. Ainda hoje assim é (embora os artesãos que a compõem já sejam de outras “artes”).»
Associado às crenças, não. Antes denunciando as crenças e pugnando pelo livre-pensamento, coisa que veio incomodar o establisment mental, principalmente o tutelado pela religião, enquanto pseudo-detentora da Verdade, i.e. os pais do dogmatismo.
Em todo o caso, generalizar é tão acertado que até me permitiria dizer que todos os monárquicos são idiotas e anacrónicos – o que é obviamente ridículo.
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«E ao longo da sua história, a maçonaria mais não tem feito que, continuadamente, obrigar os seus membros a uma obediência estrita e cega, única forma de garantir que se protegem uns aos outros e que isolada e colectivamente concorrem para a defesa dos interesses de cada um. Ocasionalmente até se darão uns ares de contribuírem para a sociedade no meio da qual se movem e vivem, embora a nobreza das suas intenções esteja por comprovar.»
Falar daquilo que se desconhece tem sempre o inconveniente de errar desbragadamente. Mas convinha não confundir a Maçonaria com qualquer Igreja ou partido político. Não há, na Maçonaria, dogma intangível em que acreditar nem ordem superior a que obedecer cegamente. Quanto ao defenderem-se uns aos outros, se assim não procedessem ao longo dos tempos teriam sido exterminados pela verrina do obscurantismo de que o presente texto é um bom exemplo, embora atenuado pela civilidade hodierna - e não é difícil imaginar como seria se escrito há um século atrás.
E não, os maçons não se dão ares de contribuírem para a sociedade porque os seus contributos, parcos ou avultados, são sempre discretos. Ao contrário da hipocrisia dos bem-feitores tradicionais, não publicitam a oferta de uma cadeira de rodas a um necessitado, como não procedem ao espectáculo da esmola à porta da igreja local (mas tais atitudes são compreensíveis sobretudo quando provenientes de uma religião que tem por divindade uma entidade que deixou o seu filho morrer na cruz por uma questão de marketing).
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«Diga-se que nem todos os maçons o sejam apenas por ambição interesseira, que muitos o são por crença dogmática na bondade da organização. Poderá ser boa... mas da fama de má é que não se livra.»
A crença dogmática é para outros, que se sentem necessitados dela, não para os maçons. Quanto à má fama, ela deve-se tanto aos falsos maçons – que também os há, ao aproveitarem-se da tolerância da Ordem – como das históricas perseguições movidas pelos seus detractores de antanho, tanto quanto à incompreensão derivada do obscurantismo dos detractores de hoje.
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«Foi a maçonaria que dividiu o país durante as invasões francesas - as obediências francesa e inglesa nunca se puseram de acordo e submetidas a uma “obediência portuguesa” que não existia.»
Para além de não se perceber a relação que tenta estabelecer estre as duas maçonarias estrangeiras com a portuguesa, também não é assertivo nessa ânsia de tudo imputar à Maçonaria. Independentemente da influência dos maçons presentes em ambos os lados do conflito, as razões da divisão do país serão mais do foro político e de imperativos de ordem prática militar. Teríamos de tratar aspectos mais concretos para abordar este assunto.
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«Foi a maçonaria que influenciou a independência do Brasil (país onde está fortemente implantada).»
E também pode acrescentar os Estados Unidos da América, mas não o afirme em relação à França pois tal não é correcto – ainda que alguns maçons desavisados também o tenham afirmado, reproduzindo a invenção do Abade Barruel.
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«Foi a maçonaria que iniciou o republicanismo em Portugal - e da forma como o fez, é este o seu maior crime contra o país:»
Parece não haver dúvidas acerca da participação activa de inúmeros maçons na implantação do republicanismo em Portugal. Quanto à qualificação desse facto, o autor apoda-o de crime, eu de glória. Mas convinha diferenciar entre acção da Maçonaria, que não o foi, de acção em que participaram maçons, o que terá sido.
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«No dia 1 de Fevereiro de 1908, Manuel Buiça e Alfredo Costa, num atentado de surpresa tiram a vida ao Rei D. Carlos e ao Príncipe D. Luís Filipe, até este dia, herdeiro do trono. Os dois atiradores eram elementos da carbonária, uma organização subsidiária da maçonaria (aliás, por muitos vista como o seu “braço armado”) e no dia 4 de Outubro de 1910 a maçonaria inicia o golpe que numa fantochada rocambolesca - digna das melhores comédias de Hollywood - culmina com a declaração da implantação da república (em Lisboa) no dia seguinte. No resto do país a república foi implantada por telégrafo e apenas no dia 6, perante a indiferença geral. E a partir deste dia, os criminosos Manuel Buiça e Alfredo Costa deixaram de o ser e passaram a louvados mártires da causa republicana.»
Tal era a qualidade dessa monarquia que caiu e foi obliterada por uma “fantochada rocambolesca”?! Nada a acrescentar, pois perante tais afirmações só posso ironizar.
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«E de então para cá a maçonaria não tem parado de crescer e de exercer a sua influência em todos os sectores de actividade de um país cuja única esperança é que ela cresça de tal forma que impluda sobre si própria.»
Durante a 1ª República a Maçonaria cresceu efectivamente, para reduzir drasticamente durante o Estado Novo, e crescido moderadamente após 1974, mantendo-se assim até ao presente (não alcançará os 7.000 membros divididos pela meia dúzia de obediências existentes). Gostava de saber é como é que estes 7.000 portugueses conseguem “influenciar todos os sectores de actividade” quando apenas uma percentagem reduzida deles está envolvida na política e estão, ainda, divididos por 3 ou 4 partidos e, mais importante, divididos em meia dúzia de obediências maçónicas, algumas sem qualquer relação entre si, tampouco um tratado de amizade que permita reuniões comuns?! Andamos com a febre das teorias conspirativas, claro!
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«Ciente da fragilidade da pretensa “pulsão republicana” do país, a maçonaria apressou-se a blindar o modelo de organização do Estado, impondo no texto Constitucional que Portugal é uma república, o que impede quaisquer veleidades monárquicas a quem quer que seja antes do texto ser revisto. Ciente da fragilidade da pulsão republicana do país e da credulidade primária do povo, a maçonaria tem até propagado que a república já foi sufragada (e quando questionada sobre quando é que isso foi feito, respondem com os parcos resultados eleitorais do PPM em todos os sufrágios a que se apresentou).»
É evidente e natural que o novo regime (e não a Maçonaria) tenha procurado blindar-se e evitar o regresso ao anterior. Se o fenómeno fosse o inverso, seria perfeitamente natural que sucedesse coisa semelhante. Porém, hoje, e ao abrigo das concepções que temos da Democracia, os maçons são os primeiros a defender a possibilidade de alterar a constituição para permitir a vigência de um regime monárquico; tal como defendem o valor superior do referendo universal; tal como é intrínseco ao próprio conceito de Democracia.
A Maçonaria não está nem esteve contra a monarquia; simplesmente não impõe aos seus membros nenhum modelo político, deixando-os lutar e pugnar pelos ideais em que cada um acredita. Hoje, tal como em 1910 ou 1920, existem republicanos e monárquicos na Maçonaria.
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«Passam hoje 108 anos sobre o assassínio de um Rei e do seu Filho.
Um Rei que se debatia com a fragilidade económica, mas mesmo assim procurava modernizar o país e puxá-lo para o mesmo patamar das nações suas parceiras, um Rei que procurava a unidade do Estado e pugnava pelo bem-estar do povo (quiçá, por não apoiar ilicitudes na protecção de interesses de uns quantos teve o fim que se conhece), acaba trocado por um regime que se tinha a si próprio como o fim em si mesmo, perdido nas intrigas mesquinhas e nas disputas de interesses que ainda hoje testemunhamos, com os resultados que estão à vista de todos.»
É o chamado lirismo de alcova. O facto é que se sua majestade procurava tudo isso, nunca o alcançou, nem andou perto. Provavelmente procurava no fundo do mar ou nas telas que pintava, ou nalgum dos pauis em que caçava patos. É escusado tentar elevar o protagonismo da real pessoa acima da existência fútil, e relativamente alheada da realidade, que caracterizava a esmagadora maioria dos coroados dos inícios do séc. XX. Também não vale a pena tentar imputar ao rei os males que se viviam no Portugal de então. É certamente, e principalmente, culpa da qualidade dos políticos que existiam (na monarquia e na república que lhe sobreveio), tal como o é aos políticos de hoje a falta de qualidade da Democracia que temos. E em última análise, à falta de qualidade do povo que somos.
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«Seriam estes resultados evitáveis se ainda vivêssemos sob uma Coroa?
Ninguém sabe - as coisas são como são e foram como foram. Seguramente, a monarquia em Portugal sempre procurou andar ao compasso do seu tempo e o fosso que separava Portugal dos restantes países, longe de estreitar, com a república aumentou.
É este texto um libelo contra a república? Contra a maçonaria?
Os factos são o que são.
Se a República quiser ser melhor que a Monarquia, tem que fazer melhor, muito melhor. Se a Maçonaria quer limpar a sua imagem, tem que se tornar mais transparente, muito mais!»
«Se a Republica quiser ser melhor», como se a Monarquia o tivesse sido. Se o povo e os políticos são os mesmos, com a mesma qualidade ou falta dela, como pode a monarquia ser substancialmente diferente da república? Cada um pinta os factos como pode. Eu tenho consciência do (meu) uso das tintas, por isso duvido bastante, sobretudo daquilo que me é próprio e próximo. Ao que não me é próximo encolho os ombros, porque me parece que aí não pontifica esse exercício da dúvida. E de dogmas não estou comprador.
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«Apenas recordo factos:
Há 108 anos, houve um duplo assassinato e há 106 os assassinos passaram a heróis...»
E depois? Quantos príncipes e reis não o fizeram em 700 anos de história monárquica portuguesa, nunca plebiscitada?!
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Assim respondo eu, livre-pensador, libertário de Direita, agnóstico e maçom, sem vincular com estas respostas o pensamento de nenhum outro livre-pensador, libertário de Direita, agnóstico ou maçom.