Uma entrevista que nunca existiu, na qual respondi a perguntas que nunca foram feitas, com respostas que nunca proferi.
P: - A maçonaria está sob os holofotes da opinião pública e não pelas melhores razões. Será a Maçonaria inocente de todas estas acusações?
R: - Efetivamente tem-se ouvido algum ruído do tipo: “A maçonaria isto; a maçonaria aquilo”, ora é bom que se compreenda, logo à partida, que a Maçonaria não é uma entidade singular mas um fenómeno plural. Existem várias ordens ou potências sem relação entre si, sem se reconhecerem sequer como organizações iguais. A única ligação possível, e efetiva, é a fraternidade universal que une todos os maçons. E esta relação acontece num plano singular/pessoal sem a intervenção de qualquer estrutura hierárquica que trace orientações ou imponha diretrizes. Até dentro de uma mesma Ordem, as lojas que a constituem possuem uma relativa autonomia não tendo que dar conta de tudo o que fazem. Por exemplo, ao decidir realizar um trabalho benemérito em favor do seu semelhante, pessoas do mundo profano que vivem uma conjuntura de provações, gente desamparada ou a braços com situações imponderáveis que lhes retiram o sustento ou empurram para uma condição de existência sub-humana, nenhuma chefia virá dizer que os proveitos terão de ser entregues ao grupo A ou B. Nesse sentido, uma ordem maçónica é mais flexível do que qualquer estrutura tradicional, seja ela política, religiosa, industrial ou militar.
P: - A maçonaria é composta pelos melhores cidadãos?
R: - A maçonaria tem nas suas fileiras alguns dos melhores mas, mais do que tentar juntar os melhores, procura alistar aqueles em quem reconhece potencial para virem a ser melhores cidadãos e melhores pessoas.
Até porque os melhores são, na maioria dos casos, cidadãos que já atingiram um pleno de experiência e de realizações, por vezes já com uma idade provecta, e que nem sempre estão animicamente disponíveis para integrar uma nova experiência tão envolvente como a maçonaria. Já os mais jovens, aqueles que possuem potencial e em que se reconhecem os atributos de pessoa de moral sólida e bons costumes, esses é que são a aposta da maçonaria. E poderão, ou não, vir a ser os melhores, mas em todo o caso virão a ser sempre melhores do que antes.
P: - E aqueles casos mediáticos, incidindo sobre suspeitas de tráfico de informação privilegiada, nomeadamente de âmbito económico, casos de apropriação indevida de património de empresas ou desvio de bens, e de que a imprensa e a blogosfera fazem eco?
R: - A maçonaria não é composta por marcianos mas por pessoas provenientes da nossa população e nesta, sabemos, existe uma percentagem relativa de pessoas com comportamentos desviantes. É, pois, natural que, à imagem da ideia errada que muitos fazem da maçonaria, por ignorância – atribuindo-lhe protagonismo em negócios e interesses obscuros -, alguns a procurem, e consigam introduzir-se nela, movidos por essas ideias e objetivos estranhos à maçonaria. Regra geral, desistem quando percebem que a instituição não serve para os seus fins; ou então são detetados e expulsos; ou não são detetados e por ali porfiam durante algum tempo.
P: - Porquê o secretismo da maçonaria?
R: - O secretismo advém da necessidade de salvaguarda, de reserva, dos rituais e dos processos de descoberta pessoal sobre as revelações acessíveis a todos aqueles que se propõem estudar os segredos iniciáticos, imbuídos do interesse de compreender o que é a condição humana e o sentido da vida: quem somos, de onde viemos, para onde vamos. Os ritos constituem a ligação ao passado, aos momentos primevos da decifração desses grandes mistérios e às formas ancestrais de transmissão do conhecimento. Colocar a nu estes aspectos é o mesmo que levar para a praça pública um concílio de bispos, uma reunião do Governo, ou as decisões do conselho de administração de uma grande empresa. Não é possível.
P:- Mas não é esse carácter secreto da sua existência e das suas práticas que conduz à desconfiança?
R: - Não há secretismo nas ações que relacionam a instituição com a sociedade, há descrição. O secretismo incide somente sobre o trabalho iniciático, de cariz filosófico, e na medida em que se alicerça numa busca, num estudo, numa caminhada pessoal e intima realizada por cada um dos maçons. Só as pessoas ignorantes devem desconfiança e receio àquilo que não conhecem.
P:- Numa Democracia faz sentido existirem sociedades secretas?
R:- A Democracia não é um regime consolidado: sem a participação ativa e permanente de cada cidadão, da maior parte possível da sociedade civil, e das suas instituições, livremente constituídas e exercendo livremente os seus direitos de cidadania, não é possível manter viva a Democracia. É conhecido, e recentemente verificado, que quando as situações económicas se tornam críticas, se levantam vozes clamando por revolução – mesmo em Democracia -, e também é sabido que muitas revoluções, mesmo as que terminaram em regimes ditatoriais ou totalitários, começaram evocando a libertação dos povos e a conquista de melhores condições para os cidadãos. Portanto, os velhos ideais da luta pela Liberdade, pela Igualdade e pela Fraternidade mantém-se na agenda dos que por ela se bateram no passado, como aconteceu na 1ª República. Hoje, tal como então, faz sentido que existam estas instituições.
P: -Mesmo durante a 1ª República, período áureo da maçonaria em Portugal e que esta relembra constantemente, nem todo o protagonismo da maçonaria foi positivo, também houve muito desentendimento, muita luta fratricida, muita negociata na sombra, não?
R:- Nem tudo o que a maçonaria preconiza e procura influenciar se consegue realizar, sobretudo numa sociedade em convulsão. Se assim fosse já viveríamos numa sociedade mundial maçónica. Os seus detratores também têm poder, e prejudicam o saldo da ação maçónica. Por outro lado, sempre que um grupo se reúne disposto a fazer avançar as suas ideias através de algum tipo de influência no poder, logo se acercam outros elementos que parasitam esta dinâmica motivados por interesses contrários a ela. E conseguem, por vezes, ver os seus intentos realizados pois, regra geral, esses interesses são de cariz económico, pessoal e imediato.
P: - A Maçonaria Livre tem maior propensão do que a Maçonaria Regular para engajar políticos nas suas hostes?
Q: - Quanto à relação com a política atente-se no paradoxo de se partir do pressuposto de que a maçonaria livre é mais propensa à participação na vida política e, no entanto, os casos mediáticos recentes terem envolvido pessoas ligadas à maçonaria Regular, entendida como mais afastada da política. Parece-me que cai por terra a teoria da conspiração. Mas insisto, não podemos generalizar a partir de casos isolados. Faço parte da maçonaria dita livre, ou liberal, mas não me passaria pela cabeça qualificar a maçonaria Regular e todos os irmãos que a compõem, como prevaricadores, tendo como base dois episódios ocorridos na última quinzena de anos.
P: – Os maçons são acusados de se protegerem uns aos outros.
R: - Tal como os irmãos de uma família, já que o juramento e a relação que estabelecem entre si, assim constrói essa ligação de entreajuda e auxílio. Porém, não colocam acima da Lei a sua relação fraternal, iludindo a Justiça para proteger um irmão. Tal como o não devem fazer os membros de uma família. Aliás, sobre esse aspecto estou convencido que um juiz seria impelido a ser mais duro com um seu irmão maçom a quem tivesse de penalizar por um crime cometido, pois que reconheceria ali uma situação de dupla falta: contra a Lei civil e contra a lei maçónica.
P: -Também são acusados de através dessa relação fraternal conseguirem obter privilégios no acesso a um posto de trabalho, melhores remunerações, etc.
R: – Isso só pode ser falso. Se tal acontecesse não seria num país em que a cultura dominante está fortemente condicionada pela desconfiança e pela incompreensão em relação à maçonaria. Mais frequentemente acontecerá o inverso: os maçons é que terão razões para temer ser alvos de perseguição e detrimento profissional caso seja conhecida a sua filiação maçónica.
P: -Mas, e quando episodicamente se ouve falar de arranjos de negócios feitos entre maçons.
R: - E esses casos serão reais? E se são, não poderão ser legítimos e legais? Tal como se conhecem negócios semelhantes entre membros do mesmo clube de futebol, da mesma universidade, do mesmo partido político, entre profissionais do mesmo ofício, etc.
O que é importante é denunciar os casos de violação da Lei e do funcionamento das instituições públicas. É isso que deve importar, independentemente de envolver maçons, militares, padres, gestores, políticos ou eletricistas. É uma questão de reorientar as baterias para os alvos certos.
Generalizar, estendendo à instituição o erro cometido por algum dos seus membros é que é um erro grosseiro, uma atitude de manifesta desonestidade intelectual. Se dois homens combinarem praticar uma ilegalidade e ambos pertenceram à mesma instituição de solidariedade social, vamos dizer que essa instituição é uma organização criminosa?
P: -Em toda esta desconfiança e suspeita instalada na opinião pública, não existirá um fundo de verdade? Não há fumo sem fogo, diz-se.
R: - Houve maçons condenados em tribunal, por crimes normais, mas nunca por associação criminosa ligada à instituição. Quanto à opinião pública, bem sabemos que em casa onde não há pão todos ralham e ninguém tem razão. Muitas das revoluções registadas na história resultaram literalmente dessa falta de pão ou de outras contingências de carácter económico (razões comerciais estiveram na génese da revolução norte-americana, p. ex.). Logo, em cenários de crise económica e social, qualquer grupo ou instituição pode ser eleito como alvo dos contestatários, e apontado como responsável pela situação vivida. A maçonaria tem sido, ao longo dos seus 300 anos de existência, um desses alvos. A multidão tende a comportar-se acefalamente e é presa fácil dos mais absurdos argumentos.
Repare-se como uma sociedade democrática como a nossa, muda sensivelmente a perspectiva da fraternidade entre povos quando começa a faltar o trabalho e o emprego: recrudesce imediatamente a xenofobia e levantam-se vozes em coro contra a presença de imigrantes, mesmo em estratos culturais onde antes era impensável tal acontecer.
E isto também tem a ver com a fragilidade da Democracia, atrás referida, fator que justifica o reforço da obra da ordem maçónica liberal, pois que é uma das instituições que combate o obscurantismo, a intolerância, a desigualdade, a opressão e toda a actuação própria dos regimes totalitários.
P: -Mas se existem outras instituições e outros actores que dão a cara pelos mesmos ideais, porque é que os maçons escondem a sua condição?
R: - Em parte pelo que se disse atrás, decorrente da natureza do seu trabalho de perfil iniciático que, pela sua essência singular, não contempla essa exposição pública; e em parte pela cultura intolerante enraizada na nossa sociedade, que retrai os impulsos de abertura. Noutros países isto não acontece, nomeadamente nos de cultura anglófona pois, ali, ser maçom é visto com naturalidade, ou até reconhecido como atributo dignificante para qualquer cidadão.
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