De Giordano
Bruno à Física Quântica
E à demonstração da realidade de uma existência
metafísica
(excerto de tradução do artigo de Franz Moser “Giordano Bruno e a Física
Quântica”, 1990)
As concepções de Giordano Bruno são mais actuais do que nunca. A ciência moderna
e sobretudo a física quântica confirmam as suas teorias de forma surpreendente.
A concepção que Bruno tinha era de uma modernidade espantosa se a
transcrevermos com a terminologia contemporânea. É evidente que isso implica
abandonar totalmente a abordagem mecanicista, caduca, para se adoptar uma
terminologia nova. Actualmente, o nosso problema consiste, não em comparar a
concepção do mundo de Giordano Bruno com a visão mecanicista de Galileu, Newton
ou mesmo Einstein, mas com as teorias de Niels Bohr, Werner, Heisenberg ou
David Bohm. Comecemos pela noção de matéria em Bruno. É evidente que Bruno não
dá a este termo o mesmo significado que nós. Ele fala de matéria "corpórea"
e "incorpórea", referindo-se nesses termos à Energia. Esta é uma
formulação que não se usava na sua época. Podemos assim admitir que Bruno
considera todo o ser como uma forma de "matéria", portanto de
energia, segundo o sentido que hoje damos a esta palavra.
Em seguida, Bruno refere-se às duas substâncias
básicas do ser: forma e matéria. Que quer ele dizer com isto? Se nos detivermos
com mais atenção na noção de "forma" em Bruno, constatamos que ela
corresponde ao que hoje designaríamos pelo termo "informação". Ele
distingue uma "causalidade de acção" e uma "causalidade de
forma". Esta causalidade ligada à forma transmite à matéria a sua
consistência, o seu modelo ou informação, como diríamos hoje. Nas ciências não
há unanimidade quanto ao sentido do termo "informação". Os
informáticos pensam nos "bits", os biólogos pensam no modelo e os
físicos pensam numa "medida da quantidade de forma". Poder-se-ia
dizer que esta quantidade de informação diferencia-se segundo os diferentes
planos do ser (mineral, vegetal, animal) enriquecendo-se à medida que sobe na
escala. Todo o ser que se organiza nos diferentes planos de existência, através
de um conteúdo diversificado de informação, retorna à Energia. Ordem e
informação estão igualmente ligados, como é possível verificar no segundo
princípio da termo-dinâmica.
Encontramos, assim, em Bruno estas duas substâncias básicas do ser, energia e informação. Como chama ele o laço que as une? Bruno fala de alma ou de substância: "Matéria e forma dão a substância". Hoje dir-se-ia: "energia e informação dão a consciência". Bruno diria: todo o ser tem uma alma; e nos nossos dias: todo o ser é consciente. Existe aqui um problema de linguagem. Na nossa época, entendemos normalmente, pelo termo consciência, a consciência humana. "Ele perdeu a consciência" significa "ele desmaiou". Mas os físicos deram à noção de consciência um sentido lato e inusitado. Perguntaram a David Bohm: "Uma pedra tem consciência"? e ele respondeu: "Sim, uma pedra tem uma consciência". No entanto, não se trata de consciência humana, mas de uma consciência que responde à definição "energia e informação dão a consciência" ou, segundo a formulação de Bruno "matéria e forma dão substância ou alma". Podemos agora compreender Bruno quando fala de uma alma do mundo ou ainda quando diz que "a totalidade da substância retorna à Unidade". Isso quer dizer que todo o ser regressa à energia/informação, o que hoje também se compreende e aceita.
Ao ler a obra "Causa, Princípio e Unidade" de Giordano Bruno, à luz da teoria quântica e da "auto-organização", ficamos desorientados: pensaríamos estar a ouvir - basta mudar a terminologia -, um físico do século XX. Pode ler-se: "Segundo a visão do Nolano, é a razão que dá às coisas a sua existência: a matéria (energia) de que cada coisa se compõe - a alma (consciência), enquanto princípio formal que constitui e dá forma a todas as coisas.". Na realidade, tal como falamos de um princípio de matéria constante e eterna, torna-se absolutamente necessário considerar de igual modo um princípio de formalização do mesmo tipo. Vemos na natureza todas as formas da matéria (energia) desaparecerem e a ela voltarem. Em consequência disso, acontece que nada é imutável e eterno. Por outro lado, as formas não têm nenhuma existência fora da matéria; é ela que as engendra e é a ela que voltam. Emergem do seu seio e a ele retornam. É por isso que a matéria deve ser reconhecida como o único princípio substancial, enquanto as formas, no seu conjunto, apenas devem ser consideradas como definições diversas da matéria, que vão e vêm, que acabam e se renovam; e é por essa razão que não as podemos considerar como um princípio. Concluindo, as formas não passam de acidentes e de definições da matéria". Bruno distingue uma forma "acidental" e uma forma "substancial" da matéria. O que é que isso significa? Para o compreender, é indispensável ter em consideração dois princípios da física quântica, a saber, o paradoxo EPR e o paradoxo do gato de Schrödinger.
O que é que se deduz do paradoxo EPR? O princípio da
mecânica quântica, formulado em 1935, só em 1982 encontrou a sua explicação
experimental definitiva e a sua confirmação por Alain Aspect da Universidade de
Paris. O resultado deste paradoxo é o conceito de não-localidade. Entende-se
por localidade o carácter espacial da realidade, e por não-localidade, a
não-espacialidade. Confirmou-se experimentalmente que há uma dimensão do ser na
qual reina a não-localidade. Podemos dizer que existe uma dimensão do nosso ser
na qual não há "espaço". Ora, se não há espaço, e por conseguinte
distância, também não há tempo. Portanto, nesta dimensão, não há futuro nem
passado, o que implica sincronicidade e simultaneidade. Esta dimensão é, pois,
uma sincronicidade na não-localidade e, por isso, também uma a-causalidade.
Poderemos imaginar o mundo assim? Esta deveria ser uma dimensão metafísica.
Teremos demonstrado, quem sabe pela primeira vez na história da humanidade, de
modo experimental, a realidade de uma existência metafísica? Escreve a este
propósito o filósofo Wolfang Stegmüller: "Pela primeira vez na história
das ciências, acontece que uma afirmação física e empiricamente verificável
permite-nos estatuir sobre uma posição filosófica. Se o Realismo tem razão, a
diferença de natureza existe; se a física quântica tem razão, não existe".
As experiências dos físicos actuais e os métodos experimentais convergem no
mesmo sentido, ou seja, que esta diferença de natureza não existe e que o
Realismo está errado. Se o Realismo não conta, é o Idealismo que impera, isto
é, a existência de dimensões metafísicas. Por conseguinte, vivemos ao mesmo
tempo em dois mundos, uma realidade e um mundo de consciência metafísica. Eis o
resultado do paradoxo EPR. Mas esta é também a posição através da qual podemos
compreender melhor a concepção do mundo de Giordano Bruno.
E o que se entende pelo paradoxo dos gatos de
Schrödinger? A questão está em saber como nasce a nossa realidade. A física
quântica demonstra-nos que este mundo é um mundo de probabilidades. A equação
de base pela qual os físicos descrevem a realidade, é a famosa função Phi de
Schrödinger. É uma função de probabilidade que indica apenas a probabilidade do
aparecimento das partículas de matéria, por exemplo, dos electrões, mas não a
sua posição exacta. É certo que a dita "redução", ou a queda, desta
função de probabilidade conduz a uma realidade concreta. A questão que se
coloca prioritariamente hoje em dia é como se produz a redução da função Phi.
Actualmente há duas respostas: 1- Não se sabe. É assim. É uma lei da natureza
(segundo Kodennagen); 2- A redução da função Phi é o produto de uma troca de
informação de uma consciência para outra (segundo V. Neumann). Se excluirmos a
primeira explicação positivista que não nos satisfaz porque não nos traz
nenhuma luz, só nos resta a segunda. Mas esta última é sensacional, pois, mais
uma vez, confirma o Idealismo. O mundo nasce, por outras palavras, é criado
pela nossa consciência, qualquer que ela seja. Será que o mundo nasce das
nossas representações mentais? Qual é o grau de realidade da realidade? H.
Maturana, biólogo chileno, um dos pais da teoria da auto-organização, diz:
"Criamos o mundo no qual vivemos, vivendo-o". Poderíamos acrescentar:
"em função das nossas próprias representações". A milenar disputa:
"Qual é o grau de realidade da realidade?", ou "O que é a
realidade?", parece ter chegado ao fim. Mas num sentido diferente do
esperado pela maioria dos filósofos.
Voltemos a Bruno. Quando se tenta compreender os
escritos de Bruno a esta luz, conclui-se com espanto que ele já possuía estes
conhecimentos. Só assim podemos compreender as suas palavras obscuras. Mas como
é que elas podiam deixar de ser obscuras se ultrapassavam largamente a
capacidade imaginativa do homem? Vivemos num mundo multidimensional de nove, ou
doze dimensões, ou ainda mais. É esse o nosso problema! Este problema é o mesmo
de um cão incapaz de compreender as equações diferenciais. Estas fazem parte da
realidade e, contudo, o cão vive muito bem sem elas. Não necessita delas nem as
compreende. Vive na "sua realidade de cachorro" como nós num
reducionismo positivista. Assim, através das descobertas da mecânica quântica,
a distinção estabelecida por Bruno entre formas substanciais e acidentais é
bastante compreensível. As formas substanciais são aquelas que hoje
consideramos como funções de probabilidade (as funções Phi). São estados no
mundo metafísico da consciência. Através da interacção de diferentes
consciências nascem as formas acidentais da matéria: a nossa realidade
biológica. Também podemos compreender Bruno quando diz "que a pluralidade
não passa de acidente", e mais adiante: "Assim compreende-se que tudo
está em tudo, mas não integralmente em cada coisa, e de maneira diferente em
cada nível". Vê-se assim como todas as coisas estão no universo, e o
universo em todas as coisas, nós nele, ele em nós, tudo convergindo para uma
unidade perfeita. Pois esta Unidade é única, imutável e eterna. Sendo eterna,
tudo o resto é orgulho, equivalente a nada. Por conseguinte, este mundo, este
ser, o verdadeiro, o universal, o infinito, o incomensurável, está
permanentemente presente em cada uma das suas partes". E podemos perguntar: Como é que sabemos que a
concepção do mundo de Giordano Bruno revela uma qualquer verdade, mesmo que ela
coincida com os resultados da física quântica? De onde extraiu Bruno as suas
ideias? Não poderemos supor que as teorias e as descobertas da mecânica
quântica estarão ultrapassadas daqui a alguns séculos? Esta questão é
fundamental e não é fácil responder a ela. A resposta exige uma visão global da
evolução da humanidade, da evolução do homem desde os tempos pré-históricos,
dos diferentes ensinamentos da Sabedoria e das suas aplicações nas religiões e
filosofias do Oriente e do Ocidente. A este respeito há uma grande confusão e
inúmeras contradições que ao longo de milhares de anos têm dificultado esta
visão global. De onde nos vem o conhecimento da "verdade" da
existência, na medida em que a podemos reconhecer? Duas ideias nos parecem
importantes: 1- O conhecimento humano está submetido a um paradoxo. O homem vive
num mundo (multidimensional) que não compreende perfeitamente. Contudo, ele
deve incessantemente tentar compreendê-lo para sobreviver. Eis um paradoxo!; 2-
O homem conhece a verdade do ser; por um lado através das ciências e por outro
através dos ensinamentos da Sabedoria (Taoísmo, Hinduísmo, Budismo,
Cristianismo e outros).
O conhecimento científico pode evoluir: desde os
Gregos, a nossa imagem do mundo não parou de se modificar. O conhecimento
científico não é constante. Além disso, existe a Philosophia Perennis, a
filosofia eterna que nasce e se encontra em todas as sabedorias. Daqui se pode
deduzir que o conhecimento científico tem fortes probabilidades de indicar a
verdade, quando, e apenas quando, está em conformidade com os princípios da
Philosophia Perennis. É o caso da mecânica quântica. Podemos supor que nos
encontramos perante uma síntese entre a fé e o conhecimento. A mecânica
quântica e a Philosophia Perennis estão de acordo.
E como pôde Giordano Bruno conceber as suas teorias?
Como já afirmámos, ele viveu quatrocentos anos avançado para a sua época. Onde
é que os sábios vão buscar os seus conhecimentos, uma vez que é surpreendente o
facto de todas as doutrinas convergirem nas suas ideias fundamentais? Existem
desde há milénios afirmações sobre a realidade do ser que o homem não pode
aceitar porque elas não correspondem à sua capacidade de representação. Quer
isto dizer que não pode deixar de ser assim? Toda a história da ciência é a da
concordância entre o realismo naïf - da confiança concedida aos sentidos - e a
razão.
-
Interessante
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