Apesar
de toda a fraternidade que existe na Maçonaria, os primeiros tempos de vida de
um maçom podem parecer-lhe estranhos porque terá de se relacionar com gente que,
no mundo profano, talvez evitasse. Se tal coisa acontecer ainda bem, pois assim
é possível um entendimento que de outra maneira não seria viável: como irmãos serão
levados a confraternizar, logo, a construir convergências, a adoptar
compromissos, a exercitar a Tolerância. E relacionando-se, conhecer-se-ão
melhor desfazendo preconceitos. Ou talvez não, talvez a má impressão e opinião negativa
sobre aquele irmão se mantenha. Afinal de contas os maçons são pessoas como as
outras, e não são perfeitos; a forma como combatem as suas
paixões e evitam os seus vícios é que os diferencia das outras pessoas.
2016/10/25
2016/10/23
Reflexões de um aprendiz do Mundo
Reflexões de um aprendiz do
Mundo
Definir o que é a Maçonaria não
é fácil, para além daquelas definições que encontramos nos nossos catecismos e
manuais. A razão para essa dificuldade reside no facto da Maçonaria não
ser isto ou aquilo. A Maçonaria sente-se e vive-se, não se reduz a
interpretações textuais (logo, sínteses superficiais que não revelam mais do
que a forma sem tocar no conteúdo). Assim é a natureza da Maçonaria porque
é sentida e vivida de forma diferente por cada Obr.˙. da Arte Real. Ora,
descrever sentimentos e experiências pessoais é algo que depende do ponto de
vista individual e da sensibilidade de cada um.
No entanto podemos dizer que
a Maçonaria, para além daquelas concepções que já temos como adquiridas, é
o caminho do equilíbrio entre a ciência e a espiritualidade, é um método de
compreender a harmonia de todas as coisas na busca pela Verdade, e é
também a práctica do Amor Universal. É, pois, muito mais do que a evocação
exaustiva do Lema (Justiça, Verdade, Honra, Progresso) e
da Divisa da Ord:. (Liberdade, Igualdade, Fraternidade) que integra
profusamente a práctica ritual - porventura numa evocação bastamente mecanizada
e de sentido embotado pela repetição mas que em outros momentos devem ser
interiorizados como valores, regras de capital importância para a vivência do
quotidiano.
Que a mesma palavra pode ter
valores e poderes diferentes consoante o momento e o contexto em que as
aplicamos, isso já aprendemos; afinal de contas elas também transportam e
potenciam energias fundamentais, assim como o silêncio e a meditação. Descobri
que, quando realizamos a Cadeia de União, ao fechar os olhos me é mais fácil
canalizar o meu pensamento e, espero, a inestimável energia espiritual, em
benefício das pessoas que conheço - que vou fazendo desfilar na minha mente
como se fosse uma fita de cinema. Talvez sem tanto sucesso, mas também vou
tentando sentir a energia dos demais IIr:. em cadeia, canalizando-a para a
mesma finalidade.
Eis o terreno virgem a
explorar, a caminhada a percorrer por cada um de nós nesta fraternidade que dá
pelo nome de Maçonaria, onde não existem gurus nem líderes
infalíveis, pois não defendemos nenhum dogma religioso, nenhuma apostilha
indefectível, nenhum modelo de realidade singular. Para o Maç.˙. o
Mestre está dentro de si mesmo, e é seu dever procurar encontrá-lo.
Não buscamos o reconhecimento
e a fama entre os seres nossos iguais. Após décadas de estudo, práticas, erros
e acertos aprendemos e aceitamos ser indivíduos anónimos, sendo cada um de nós
apenas mais um na multidão, sem reconhecimento ou distinção especial e sem
nenhum engrandecimento social resultante dessa condição de ser Maç.˙..
A educação e instrução
tradicionais não nos preparam para aceitar o facto de que quando um indivíduo
se eleva, a sociedade humana, como um todo, também se eleva concomitantemente.
Então, todo esse trabalho individual representa na verdade uma caminhada
colectiva. A cada ser humano que tivermos o privilégio de tirar das trevas da
ignorância, mais Luz é derramada sobre toda a realidade mundana.
Para muitos a Luz e o
conhecimento significam independência, e esta independência é intolerável para
os que acreditam ser superiores aos outros. Por esse motivo a Maçonaria continua
a ser olhada com desconfiança e a ser desconsiderada, até atacada. Cada passo
que damos na direcção da Verdade e do conhecimento, congrega mais inimigos
contra nós. É, pois, uma caminhada de coragem e determinação.
Cada um de nós tem o poder de
transformar a sua própria vida e a vida dos que nos estão próximos, com os
nossos actos e exemplos. Afinal de contas de nada adiantaria que uma
fraternidade orientada por tão altas aspirações nos oferecesse tais
conhecimentos e práticas visando o equilíbrio espiritual, se não colocássemos
tudo isso em prática. Portanto, a Maçonaria exige de cada um dos
seus OObr .˙. mais do que estudo e dedicação, exige que pratiquemos
aquilo que aprendemos.
Se um pedinte nos pede
dinheiro, como MMaç.˙., temos a obrigação moral e espiritual de atender a
esse pedido de esmola. Não sabemos se aquela moeda irá contribuir para aliviar
um estômago vazio ou evitar que uma criança caia na perversidade por falta de
escolha. A beneficência é uma obrigação irredutível do Maç.˙.
Também os instrutores ou
guias devem ter humildade e equilíbrio, caso contrário estão a ser desleais
consigo e com os princípios que defendem. “Pobre daquele que se julga mestre e
pensa ter sobre si a responsabilidade espiritual dos actos de todos aqueles que
considera discípulos” O verdadeiro Mestre, está dentro de cada um de nós.
O juiz mais rigoroso e mais exigente deve ser a nossa própria consciência. Se não somos capazes de cumprir um juramento feito a nós próprios, como podemos esperar cumprir os juramentos feitos nas cerimónias solenes e perante os nossos IIr.˙.?
O juiz mais rigoroso e mais exigente deve ser a nossa própria consciência. Se não somos capazes de cumprir um juramento feito a nós próprios, como podemos esperar cumprir os juramentos feitos nas cerimónias solenes e perante os nossos IIr.˙.?
Reflexões de um aprendiz do Mundo
Reflexões de um aprendiz do
Mundo
Definir o que é a Maçonaria não
é fácil, para além daquelas definições que encontramos nos nossos catecismos e
manuais. A razão para essa dificuldade reside no facto da Maçonaria não
ser isto ou aquilo. A Maçonaria sente-se e vive-se, não se reduz a
interpretações textuais (logo, sínteses superficiais que não revelam mais do
que a forma sem tocar no conteúdo). Assim é a natureza da Maçonaria porque
é sentida e vivida de forma diferente por cada Obr.˙. da Arte Real. Ora,
descrever sentimentos e experiências pessoais é algo que depende do ponto de
vista individual e da sensibilidade de cada um.
No entanto podemos dizer que
a Maçonaria, para além daquelas concepções que já temos como adquiridas, é
o caminho do equilíbrio entre a ciência e a espiritualidade, é um método de
compreender a harmonia de todas as coisas na busca pela Verdade, e é
também a práctica do Amor Universal. É, pois, muito mais do que a evocação
exaustiva do Lema (Justiça, Verdade, Honra, Progresso) e
da Divisa da Ord:. (Liberdade, Igualdade, Fraternidade) que integra
profusamente a práctica ritual - porventura numa evocação bastamente mecanizada
e de sentido embotado pela repetição mas que em outros momentos devem ser
interiorizados como valores, regras de capital importância para a vivência do
quotidiano.
Que a mesma palavra pode ter
valores e poderes diferentes consoante o momento e o contexto em que as
aplicamos, isso já aprendemos; afinal de contas elas também transportam e
potenciam energias fundamentais, assim como o silêncio e a meditação. Descobri
que, quando realizamos a Cadeia de União, ao fechar os olhos me é mais fácil
canalizar o meu pensamento e, espero, a inestimável energia espiritual, em
benefício das pessoas que conheço - que vou fazendo desfilar na minha mente
como se fosse uma fita de cinema. Talvez sem tanto sucesso, mas também vou
tentando sentir a energia dos demais IIr:. em cadeia, canalizando-a para a
mesma finalidade.
Eis o terreno virgem a
explorar, a caminhada a percorrer por cada um de nós nesta fraternidade que dá
pelo nome de Maçonaria, onde não existem gurus nem líderes
infalíveis, pois não defendemos nenhum dogma religioso, nenhuma apostilha
indefectível, nenhum modelo de realidade singular. Para o Maç.˙. o
Mestre está dentro de si mesmo, e é seu dever procurar encontrá-lo.
Não buscamos o reconhecimento
e a fama entre os seres nossos iguais. Após décadas de estudo, práticas, erros
e acertos aprendemos e aceitamos ser indivíduos anónimos, sendo cada um de nós
apenas mais um na multidão, sem reconhecimento ou distinção especial e sem
nenhum engrandecimento social resultante dessa condição de ser Maç.˙..
A educação e instrução
tradicionais não nos preparam para aceitar o facto de que quando um indivíduo
se eleva, a sociedade humana, como um todo, também se eleva concomitantemente.
Então, todo esse trabalho individual representa na verdade uma caminhada
colectiva. A cada ser humano que tivermos o privilégio de tirar das trevas da
ignorância, mais Luz é derramada sobre toda a realidade mundana.
Para muitos a Luz e o
conhecimento significam independência, e esta independência é intolerável para
os que acreditam ser superiores aos outros. Por esse motivo a Maçonaria continua
a ser olhada com desconfiança e a ser desconsiderada, até atacada. Cada passo
que damos na direcção da Verdade e do conhecimento, congrega mais inimigos
contra nós. É, pois, uma caminhada de coragem e determinação.
Cada um de nós tem o poder de
transformar a sua própria vida e a vida dos que nos estão próximos, com os
nossos actos e exemplos. Afinal de contas de nada adiantaria que uma
fraternidade orientada por tão altas aspirações nos oferecesse tais
conhecimentos e práticas visando o equilíbrio espiritual, se não colocássemos
tudo isso em prática. Portanto, a Maçonaria exige de cada um dos
seus OObr .˙. mais do que estudo e dedicação, exige que pratiquemos
aquilo que aprendemos.
Se um pedinte nos pede
dinheiro, como MMaç.˙., temos a obrigação moral e espiritual de atender a
esse pedido de esmola. Não sabemos se aquela moeda irá contribuir para aliviar
um estômago vazio ou evitar que uma criança caia na perversidade por falta de
escolha. A beneficência é uma obrigação irredutível do Maç.˙.
Também os instrutores ou
guias devem ter humildade e equilíbrio, caso contrário estão a ser desleais
consigo e com os princípios que defendem. “Pobre daquele que se julga mestre e
pensa ter sobre si a responsabilidade espiritual dos actos de todos aqueles que
considera discípulos” O verdadeiro Mestre, está dentro de cada um de nós.
O juiz mais rigoroso e mais exigente deve ser a nossa própria consciência. Se não somos capazes de cumprir um juramento feito a nós próprios, como podemos esperar cumprir os juramentos feitos nas cerimónias solenes e perante os nossos IIr.˙.?
O juiz mais rigoroso e mais exigente deve ser a nossa própria consciência. Se não somos capazes de cumprir um juramento feito a nós próprios, como podemos esperar cumprir os juramentos feitos nas cerimónias solenes e perante os nossos IIr.˙.?
Liberdade
O meu conceito de
Liberdade
Entendo que a Liberdade é o desejo
inato do ser humano em se tornar integralmente livre. Por isso a verdadeira
Liberdade não é apenas a liberdade física e política, mas também a liberdade de
pensamento. Só nesse estado o homem pode dar asas a todas as suas
potencialidades.
Porém, sendo algo tão grandioso e
completo, a Liberdade também assume significado diferente perante situações e
culturas diferentes.
Sob o jugo de uma ditadura o conceito
de liberdade poderá ser diferente dependendo de quem a avalia ou deseja: um
oprimido que nunca a experimentou ou um oprimido que a perdeu terão dela a
mesma perspectiva? Por outro lado, será livre aquele que não sofre expressa
coacção física, política ou mental mas que vive na insegurança de uma situação
de desemprego permanente?
Sei que para muitos a Liberdade não
pode ser uma figura de retórica mas um estado no qual o Homem, mesmo
amordaçado, permanece fiel áquilo em que acredita de forma integral, física,
moral, cultural e espiritual. Mas também sei que existem outros que consideram
viver em liberdade mesmo dando a terceiros o poder de decidir tudo em seu
lugar, aceitando, até, viver sob o jugo de pesadas regras e restrições,
preferindo viver nessa “segurança protectora” de um encarceramento relativo.
Daqui decorre a noção de que a liberdade não é mensurável pela austeridade ou
permissividade das regras, mas sim em função dos seus objectivos e da forma
como é sentida pelo indivíduo.
Uma coisa parece certa: para se ser
efectivamente livre é preciso que o Homem queira ser livre e que só em função
desse querer se liberte efectivamente das amarras da servidão, seja física,
política, religiosa, cultural, ou da sua própria consciência.
E chegamos a uma ideia de Liberdade que
trás implicada a ideia de Razão, esse juiz supremo dos nossos actos e ideias. A
ideia de julgar implica, inevitavelmente, a existência de regras e de limites.
E tal asserção conduz-nos agora à perspectiva maçónica: Para nós, maçons, o
conceito de Liberdade envolve a ideia de uma liberdade interior apenas limitada
pelo próprio indivíduo, e em que a limitação não depende de quaisquer
circunstâncias mas somente das qualidades éticas e morais do indivíduo.
A Liberdade maçônica – que não deveria
ser diferente da Liberdade em sentido genérico -, reside portanto no pensamento
pois é através do processo cognitivo que qualquer indivíduo se torna
absolutamente livre.
É pelo pensamento que a Maçonaria
liberta o homem para sua função de edificador da sociedade. Nenhum tirano
consegue censurar o que se passa na mente do indivíduo. Apenas o próprio pode
aprisionar-se ou libertar-se no íntimo dos seus processos mentais; libertar-se
implica trabalhar a pedra bruta; i. e. procurar e alcançar o autoconhecimento.
É esse esforço individual que conduz à
liberdade efectiva do indivíduo. Eis a mecânica libertadora que a Maçonaria
realiza, contribuindo com a metodologia, o local e as ferramentas; e o obreiro
com a sua alma, o coração, a mente, e o seu querer.
E, finalmente, para além de tudo o que
já falei atrás, qual é então o meu conceito de Liberdade?
Sou livre? Sinto-me livre? Sim e não!
Sim, no que concerne à consciência que
tenho acerca do exercício do meu livre arbítrio; não, pois entendo que a
Liberdade também implica Independência e esta não a consigo alcançar nesta
sociedade em que tudo tem um elevado valor monetário e em que eu estou limitado
no que toca a esse, erradamente híper exaltado, recurso financeiro.
Livre, mas não convencido, disse!
H.
O Marquês e os Jesuítas
O
Marquês e os Jesuítas
Passou
há pouco tempo na RTP Memória a série “O Processo dos Távoras”, em que o
ministro de D. José, Sebastião de Carvalho e Melo (Conde de Oeiras e futuro
Marquês de Pombal), é apresentado como um político injusto, um funcionário
prepotente animado de sanha persecutória contra nobres e religiosos. E a série
retrata a sua actuação contra os opositores, nomeadamente contra aqueles
que são apresentados como os seus maiores adversários: A ordem jesuíta.
Ora,
para além da nobreza caduca, refém do seu atavismo secular e da estagnação que
representa, os jesuítas constituem o outro pólo desse imobilismo que resiste às
reformas encetadas por Pombal na implementação de um singular modelo político
de Despotismo Esclarecido que constituiu o seu consulado.
Sobre
os jesuítas convém relembrar que embora esses homens cultos tenham desempenhado
um papel importante na difusão da cultura e da ciência (no início do século
XVII acompanharam alguns dos progressos astronómicos de Galileu e chegaram a apoiar
e complementar as suas descobertas), em meados do século XVIII recuaram a uma
cultura do passado distante, opondo-se às extraordinárias descobertas da última
centúria. Tanto assim foi que, em 1746, o padre jesuíta José Veloso, reitor em
Coimbra, proibiu o estudo de Descartes, Gassendi e Newton, entre outros, assim
como «quaisquer conclusõis oppostas ao
sistema de Aristoteles».
A
Companhia de Jesus tinha passado à posição de obstrução do progresso científico
mas a sociedade tinha-se transformado radicalmente, e o conflito explodiu em
1759, com a expulsão dos jesuítas de todo o território português.
Independentemente
de outras razões, mais triviais, moverem o 1º Ministro de D. José – interesses
comerciais familiares no Brasil, eventualmente causticados pelos jesuítas-, o
facto é que Sebastião de Carvalho e Melo, talvez doutrinado na dinâmica e na
política inglesa, que admirava, protagonizou o corte com a inércia da
fidalguia que não preconizava nem deixava florescer progressos idênticos ao que
outras nações registavam.
Os
jesuítas nunca foram esses destacados portadores dos ideais
humanistas, que alguns lhes atribuem. Uma abordagem antropológica à missionação
jesuíta no Brasil também é, disso, estudo bem revelador.
Com todos os erros que terá cometido no desempenho das suas funções, acrescentados pelas suas fraquezas e defeitos como pessoa, ainda assim Pombal reunirá um crédito de protagonismo benéfico para o Portugal dessa época, que os feitos da Companhia de Jesus e da nobreza coeva não terão logrado, sequer, imitar.
H.
Da Beleza
DA BELEZA
A Beleza
nunca foi algo de absoluto e imutável, pelo contrário assumiu formas diferentes
segundo a cultura de cada período histórico e de cada região, quer na
apreciação do homem ou da mulher quer na dos objectos, dos animais e das
paisagens, ou mesmo a beleza das ideias e, até, da divindade.
Por vezes,
num mesmo tempo histórico a beleza é abordada de forma muito diferente
consoante é retratada pelos pintores e escultores ou pelos escritores. Basta
pensar como um ser alienígena interpretaria a noção de beleza feminina se
deparasse simultaneamente com uma pintura de Almada Negreiros e uma descrição
literária de Camilo Castelo Branco, ainda que estes autores não tenham
coexistido no tempo (Camilo morreu em 1890, Negreiros nasceu 3 anos depois).
Do Almada
refiro-me a uma daquelas mulheres matronas, cubistas e debruçadas sobre si,
contendo o mundo em si. Do Camilo, a pormenorizada descrição de uma Isaura que,
cito: «… não é alta. Pertence àquela
estatura que chamam mediana, a mais regular, a menos defeituosa, (…) [os
cabelos] Negros e luzentes, levemente ondeados, nus de enfeites e ataviados com
comodidade, e gentileza. Duas grandes tranças lhos dividiam, para se
entrançarem de novo, presas em duas grossas roscas por travessas. Quando as
soltava, as duas serpentes ondeavam-lhe por sobre as espáduas até à cinta. (…)
[as sobrancelhas] irrepreensivelmente curvas, dividem-se por uma incisão quase
imperceptível: longas, negras, e bastas. As pestanas, se ela descai as
pálpebras naquele pendor da meiguice natural, quase lhe quebram a luz dos
olhos, alindando-os, se é possível, ainda mais. (…) [os olhos] Meigos e
vertiginosos. Reflectem a luz frouxa das paixões suaves, e as labaredas
cintilantes das paixões escandecidas.».
Ora, na
sociedade ocidental é o ideal masculino que pontifica, um ideal preso ao
instinto sexual que explica e justifica o apreço pelos traseiros femininos proeminentes,
com reservas de gordura para a gestação, os quadris largos que facilitam o
parto, e os seios fartos para amamentar. E contra isto pouco pode a moda,
contra essa memória táctil dos homens que por muito que apreciem uma mulher
linda e magra jamais esquecerão a diferença entre estreitar nos seus braços uma
cintura feminina que deixa revelar os ossos ou uma cintura substancial, bem
mais voluptuosa.
As
sociedades modernas ocidentais estabelecem ainda uma relação entre beleza
física, inteligência e poder económico, ou seja, cultiva-se a crença de que uma
pessoa bonita tem mais capacidades e mais sucesso. Dos feios considera-se
sempre que são pobres, rudes, e falhos de êxito. Tal preconceito ainda amplia mais
as dificuldades de ascensão social dessas pessoas; o poeta Vinicius de Morais já
tinha escrito a respeito das mulheres: «as muito feias que me perdoem, mas
beleza é fundamental.».
As
preocupações com o Belo já vêm de longe. Platão terá sido um dos primeiros
pensadores a formular a pergunta “O que é o Belo?”, empreendendo uma resposta
ampla e cabal em que o Belo é identificado com o Bem, a Verdade e a Perfeição.
Assim, ao
conceito de beleza atribuiu uma natureza autónoma, separada do mundo sensível,
justificando que uma coisa é mais ou menos bela dependendo da sua inscrição/participação
na ideia suprema de beleza; e criticou a arte que se limitava a copiar a
natureza ignorando a beleza que o mundo das ideias contém. Mas se Platão ligou
a arte à beleza, Aristóteles separou-a, anunciando que a arte é uma criação
especificamente humana, e que o Belo não pode ser desligado do homem pois
existe neste intrinsecamente.
Na Idade
Média o cristianismo fundou um conceito de Beleza identificando-a com Deus, o
Bem e a Verdade. E por aqui se seguirá durante séculos, numa colagem excessiva
da ética à estética. Santo Agostinho acorrentou a beleza à harmonia, evocando o
concurso da unidade, do número, da igualdade, da proporção e da ordem; reiterando
que a beleza do mundo não é mais do que o reflexo da suprema beleza de Deus. Por
sua vez, São Tomás de Aquino ligou-a ao Bem e à observância de determinadas
condições fundamentais: Integridade ou Perfeição; Proporção ou Harmonia;
Claridade ou Luminosidade; uma vez mais identificando a beleza com Deus.
Entre os
séculos XVI e XVIII as academias impõem as estéticas aristotélicas e as suas
regras visando alcançar a perfeição na arte, ainda que na segunda metade do
séc. XVIII comecem a emergir ideias que proclamam a subjectividade do Belo. É o
tempo em que as sociedades europeias atravessam grandes convulsões, com o
início da revolução industrial e as importantes alterações políticas verificadas
na América e na França. Nesta conjuntura de efervescências novas ideias
despontam e a questão do Belo é equacionada como um problema de gosto.
E neste contexto surge Immanuel Kant, o criador do pensamento
que embasa a estética contemporânea. Para este filósofo do séc. XVIII os nossos
entendimentos estéticos têm fundamentos subjectivos dado que não se podem
apoiar em conceitos pré-determinados. E assim, o critério de beleza que neles
se exprime é o do simples prazer que nos acomete. A universalidade do Belo
passa a ser subjectiva, como subjectivo é o juízo do gosto.
«Continua a ser verdade que, ao
julgar belo um objecto, consideramos que o nosso juízo deve ter um valor
universal e que todos devem (ou deveriam) partilhar o nosso julgamento. Mas
como a universalidade do juízo do gosto não requer a existência de um conceito
a que e deva adequar, a universalidade do belo é subjectiva: é uma pretensão
legítima da parte de quem exprime o julgamento, mas não pode assumir de maneira
nenhuma o valor de universalidade cognoscitiva. “Sentir” com o intelecto que a
forma de um quadro de Watteau que representa uma cena galante é rectangular ou
“sentir” com a razão que cada gentil-homem tem o dever de oferecer ajuda a uma
mulher em dificuldade não é o mesmo que “sentir” que seja belo o quadro que
está a ser examinado: de facto, neste caso, tanto o intelecto como a razão
renunciam à supremacia que respectivamente exercem no campo cognoscitivo e no
moral, e metem-se em jogo livre com a faculdade imaginativa, segundo as regras
ditadas por esta última.» ECO, Umberto – História da Beleza (p. 264)
Embora se reconheça,
então, a incapacidade da Razão em impor os seus valores sobre esta matéria tão
subjectiva que é a definição do Belo, ela (a Razão) não está afastada da
discussão; mormente pela mão daquele eminente filósofo que consegue inscrever
parcialmente essa natureza vaga nas regras da Razão.
Ainda no
século XVIII ganham força as noções de génio, gosto, imaginação e sentimento e
assiste-se à construção do conceito Sublime. Uma vez que o Belo é uma expressão
da liberdade, sentimo-nos livres na beleza porque os instintos sensíveis estão
em harmonia com a lei da razão; já o sentimento de liberdade no sublime deriva
do facto dos instintos sensíveis não terem influência sobre as leis da razão,
porque aqui é o espírito que age autonomamente. Esta aparente contradição mais
não espelha do que o dualismo da natureza humana.
Em seguida,
os românticos exploram as dualidades, nomeadamente a anterior entre Belo e
Sublime, e levam mais longe essa constatação da natureza dual, da ocorrência
dos géneros, na nossa qualificação estética do mundo: beleza e melancolia;
coração e razão; reflexão e impulso coexistem, sendo essa coexistência encarada
como natural.
O Séc. XIX
trará consigo uma autêntica religião da beleza, emoldurada pela efémera época
de ouro do Ocidente: o período vitoriano em Inglaterra, o Segundo Império em
França, o pontificado das virtudes burguesas e o despontar do capitalismo.
Neste ambiente os artistas arriscam e avançam quebrando todas as normas,
procurando o inusitado, o excêntrico, o inalcançável, ofendidos e talvez
assustados pelas máquinas que oferecem a pura funcionalidade de novos materiais.
Em parte, como reacção a essa uniformização e democratização galopantes,
artistas como Courbet, Monet, Manet, Cézanne e outros rompem com os cânones e
as convenções do academismo, anunciando a eclosão da arte moderna.
E no século
XX sucedem-se as rupturas e explode uma multiplicidade de novas manifestações
criativas. Surgem as artes decorativas, a art
naif, a arte dos povos primitivos coevos, o artesanato rural; a Fotografia,
o Cinema, o Design, a Rádio, etc.
Por outro
lado, assiste-se a uma permanente insistência desconstrutivista em relação a
todas as categorias estéticas: os conceitos e as fronteiras entre as artes são contestados;
a arte é dessacralizada e perde a sua carga mítica e iniciática, tornando-se
frequentemente um simples produto de consumo.
Neste
ambiente, as estéticas normativas concebem uma beleza fundamentada em
princípios inalteráveis, como a estética fenomenológica de Husserl; as estéticas
marxistas e neomarxistas que vincam marcadamente a sua orientação sociológica; ou
a estética informativa que procura sistematizar a avaliação da componente
inovadora presente em cada obra de arte; mas é na estética das ciências que os
ideais de beleza alcançam um discurso tanto mais revelador quanto inesperado.
Raul Penaguião, um jovem matemático português, de 18 anos, dizia em 2012: «…a Matemática aplicada não me entusiasma
muito, entusiasma-me a beleza das ideias matemáticas, pelo que quero seguir
Matemática pura e investigação, e não tanto o
quanto se relaciona com a realidade, pois nesse relacionamento perde-se muito:
já dizia Albert Einstein, “Se as
leis da Matemática se referem à realidade, elas não estão correctas; e, se
estiverem correctas, não se referem à realidade”.»
Eis como
ideia do Belo se impõe de uma forma tão óbvia aos valores concretos da
realidade, reafirmando que a vida também encontra sentido numa componente subjectiva
que existe para além do universo material.
Nós, seres humanos,
temos necessidade de procurar ou criar a beleza, não só para recreação
intelectual mas sobretudo porque ela é um guia para a vida, mesmo que o seu
conceito dependa apenas de uma noção pessoal de harmonia.
H.
Fontes
consultadas:
- BOHM, Camila Camacho - UM
PESO, UMA MEDIDA - O padrão da beleza feminina apresentado por três revistas
brasileiras, Universidade Bandeirante de São Paulo
São Paulo, 2004
- ECO,
Umberto – História da Beleza, Ed. Difel, Lisboa 2005
- GUATIMOSIM,
Bárbara Maria Brandão - O BELO E O SUBLIME, Psicanálise &
Barroco em Revista v.6, n.3: 48-59, jul.2008
- LINO,
Alice de Carvalho - Considerações kantianas sobre os Gêneros -
PADÊ:estudos
em filosofia, raça, gênero e direitos humanos, UniCEUB, FACJS Vol.2,N.1/07. ISSN 1980-8887
- LINO, Alice de Carvalho – Belo e Sublime: A
Mulher e o Homem na Filosofia de Immanuel Kant – Universidade Federal de Ouro
Preto, 2008
- PENAGUIÃO,
Raul “entrevista em 2012” http://caras.sapo.pt/famosos/2012-09-09-raul-penaguiao-entusiasma-me-a-beleza-das-ideias-matematicas
- SATIE, Luis - Estética e ética em Kant - Escola Superior de Administração Fazendária,
Filosofia Unisinos, 2009
- VALENTE, Mariana – A Beleza das Ideias na
Educação Científica – Centro de Estudos de História e Filosofia da Ciência,
Departamento de Física, Universidade de Évora. Comunicação ao Seminário
transdisciplinar “Currículo, Didáctica e Formação de Professores”- Évora, Maio,
2014
Igualdade e Justiça Social
Igualdade e justiça social
Quando, num sistema de Economia de
Mercado, ouvimos falar em Igualdade imediatamente depreendemos que se trata da
tão famosa igualdade de oportunidades para empreender e ter êxito. Mas bem
sabemos que em nenhuma sociedade existe essa igualdade real de oportunidades,
porque o sistema a não promove minimamente ou porque, promovendo-a,
compromete-a pela acção corrupta de muitos dos agentes do Estado – p. ex. os
políticos.
John Rawls (1921-2002) propôs um
método para construção de uma sociedade efectivamente justa. Vou explicar-vos
como funciona a coisa. Porém, atentemos previamente a estes casos díspares que
ocorrem frequentemente na sociedade tal como está estruturada. O futebolista
Cristiano Ronaldo factura cerca de 33 milhões de euros por ano, entre salário e
ganhos com publicidade - mais de 90 mil euros por dia, quase 4 mil euros por
hora.
Quando, em 2012, se soube que o
ex-ministro Eduardo Catroga poderia vir a receber 600 mil euros por ano pelas
suas funções de presidente do Conselho Geral da EDP, houve indignação; até
porque o ex-ministro tinha participado nas negociações com a troika – e
portanto teve responsabilidades nos cortes salariais de pessoas que recebem uma
ínfima parte daqueles valores. Aos críticos Catroga explicou que, tal como
acontece no futebol, o seu salário era ditado pelo valor de mercado.
Uma notícia proveniente do distante
Camboja faz-nos saber que uma mulher de 48 anos, pressionada pela fome, vendeu
o seu cabelo por cerca de 6 euros, explicando ao jornalista que embora todas as
mulheres gostem de estar lindas, entre a beleza e a fome, não tinha dúvidas
sobre o que escolher. Em conclusão ficamos a saber que o valor de mercado do
cabelo de uma cambojana de 48 anos é de 6 euros.
Perante estes exemplos facilmente
concluímos que a fonte de muitos problemas que actualmente ferem a humanidade
reside neste sistema baseado no mercado.
A solução de John Rawls passa por
reiniciar o sistema social imaginando que não sabemos a posição que ocuparemos
nela – se seremos ricos ou pobres, bonitos ou feios, homens ou mulheres,
jogadores de futebol, ministros ou serventes de limpeza porque, se à partida,
eu não souber que posição ocuparei na sociedade, tentarei garantir que a
repartição dos bens e das riquezas seja equitativa, e essa será a única forma
de garantir a minha satisfação, seja qual for a posição, a ocupação ou a posse material
que me caiba.
Interessante, não acham?
H.
Da Moral Maçónica
Diz-se
moral aquilo que está em conformidade com a honestidade e a justiça, que tem
bons costumes; diz-se de tudo o que é decente, educativo e instrutivo. Moral é
também a disciplina da Filosofia que trata dos actos humanos assentes nos bons
costumes, e nos deveres do homem em sociedade e perante os seus iguais. Moral
é, ainda, o conjunto de normas ou preceitos adoptados para dirigir os actos
humanos de acordo com a justiça e a equidade natural.
A
moral surge nos alvores da civilização humana. E é importante esta percepção de
que a moral depende da civilização, ou é por ela reformulada nos moldes em que
a conhecemos, já que a sociedade primitiva não censurava o canibalismo, o
incesto, a pedofilia, os homicídios dos idosos e inválidos, e toda uma panóplia
de atrocidades que o progresso intelectual e a construção cultural vieram instituir
e regular.
Até
ao final do regime feudal, em que vigorou o sistema esclavagista, os estratos
sociais inferiores não passavam de objectos e como tal tratados no âmbito da transação
de propriedade. Chegado à Idade Contemporânea, balizada pela revolução
Francesa, o Homem liberta-se da opressão do feudalismo, cria a liberdade de
ação e de pensamento e surgem os ideais humanistas e uma nova moral, várias
morais até, e algumas delas individualistas pois é verdade que não existe uma
moral eterna e imutável; a moral é histórica, conjuntural e sempre determinada
pela classe dominante.
A
Maçonaria exige aos seus membros uma boa reputação moral, o exercício da tolerância
para com as diferentes manifestações de opinião, religião, política, ou
filosofia, desde que os seus objetivos prossigam a conquista da verdade e a
defesa dos valores morais, e propugnem pela paz e o bem-estar social. A moral
maçónica constitui o objeto principal da sua filosofia racionalista. Esta moral
está vertida nos símbolos e rituais que se têm mantido imutáveis ao longo da
existência da Maçonaria.
Sendo
a Maçonaria uma instituição comprometida com o Mundo - embora de cariz ético,
filosófico e iniciático -, instrui os seus membros para serem homens de bem,
com sólidos princípios morais e para trabalharem para o seu aperfeiçoamento em
benefício individual e colectivo. Os ensinamentos maçónicos direccionam os maçons
para a dedicação à felicidade dos seus semelhantes, não somente porque tal
obrigação é imposta pela razão e pela moral mas principalmente porque esse
sentimento de solidariedade os transforma em irmãos. Desta forma o maçom é útil
ao progresso moral da humanidade.
Por
tudo isto é importante desenvolver uma moral maçónica que controle as paixões,
ajude a reconhecer e corrigir os nossos defeitos e cultue a inteligência. Esse
é o nosso caminho moral.
H.
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